Difícil negar que A Casa que Jack Construiu é um filme doentio. Até mesmo para um cineasta controverso e dado a extremos como Lars von Trier, bate na telona como uma subversão extrema, daquelas às quais ou se adere ou se repele. É, portanto, uma obra que pode ser acusada de tudo, menos de permitir uma experiência anódina. Não passamos incólumes diante da perversidade de Jack (Matt Dillon, excepcional) no trato com as vítimas. Aliás, Von Trier manipula nossa relação com a violência, praticamente convidando a desejar que o protagonista acabe de uma vez com a inconveniência da desconhecida que lhe pede carona e insiste em tipifica-lo como um assassino em série. É de uma precisão impressionante a condução dessa trama que vai ganhando elementos brutais, com corpos sendo empilhados de, especialmente, mulheres ora imprudentes, ora pouco inteligentes (algo devidamente questionado). Virgílio (Bruno Ganz), a quem Jack narra sua trajetória a caminho de um lugar que conhecemos apenas próximo ao fim, funciona como a voz da razão que aponta as discrepâncias e as recorrências de um discurso torpe. A Casa que Jack Construiu é, talvez, o filme mais pessoal de Von Trier, no qual ele coloca seus ego e superego para dialogar, expondo a complexidade de posicionamentos diante dos conceitos de arte, vida e morte. Não à toa o realizador dinamarquês, lá pelas tantas, utiliza excertos de seus filmes pregressos, acentuando essa autocitação como componente vital. Há cenas desaconselháveis para estômagos fracos, vide a caçada com as crianças, seguida de um piquenique macabro. Corpos são arrastados, mutilações acontecem frequentemente e o caráter doentio sobressai. Um filme passível de amores e ódios, mas que reafirma a habilidade de Von Trier para utilizar o cinema como bem entender. Um grande filme, aliás.
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