Qual o melhor filme dos últimos doze meses? Com essa pergunta em mente, a equipe do Papo de Cinema tratou que organizar suas listas, apontando suas 20 escolhas entre longas de ficção e documentários, nacionais e estrangeiros, dramas e comédias, produções em live action e de animação. A seleção final é curiosa e, sob certo aspecto, reveladora do que as telas – grandes e, principalmente, pequenas – exibiram em 2021. Há realizadores veteranos e estreantes, homens e mulheres por detrás das câmeras, obras de terror e desenhos animados – gêneros que geralmente não costumam perdurar na memória por muito tempo. Se por um lado não há nenhum título brasileiro – para compensar, organizamos uma lista apenas com os melhores longas nacionais do ano – há outras cinematografias periféricas, como da Dinamarca, Itália e Chile. Temos vencedores do Oscar e favoritos da crítica, títulos que agradaram o público e outros que se mostraram verdadeiras descobertas. Ficou tão curioso quanto a gente? Então, sem maiores perdas de tempos, vamos conferir os nossos preferidos!
10. Luca (2021)
Desde o início da pandemia do Covid-19 e o lançamento da plataforma Disney +, produções do estúdio tem estreado diretamente no serviço online, mas sempre com muito alarde e, quando possível, com exibições especiais também na tela grande. O longa dirigido por Enrico Casarosa, no entanto, não contou com essa expectativa. Nem se esperavam projeções nos cinemas, e quando desembarcou no streaming, foi sem maiores comentários. Porém, com o passar dos dias e semanas, a situação foi mudando. E logo se descobriu uma obra elogiada tanto pelo público, quanto pela crítica. Dono de dez indicações ao Annie Awards (o Oscar do gênero) e indicado ao Globo de Ouro, Satellite e Critics Choice, essa história sobre dois amigos na costa italiana “oferece um prazer à moda antiga – para o bem ou para o mal, assemelha-se a um filme da Disney dos anos 1990. (…) Pelo menos, a Pixar embala essa refeição modesta num ritmo agradável, além de uma aparência profissional polida”, constatou o crítico Bruno Carmelo.
09. Cry Macho: O Caminho para Redenção (Cry Macho, 2021)
Este é nada menos do que o quadragésimo longa dirigido por Clint Eastwood – um número para lá do que impressionante, que se iniciou com o provocador Perversa Paixão (1971), há exatos 50 anos. O cineasta vencedor de 4 Oscars chegou aos 90 anos mostrando vigor na frente e atrás das câmeras, interpretando uma antiga estrela de rodeios e criador de cavalos que aceita resgatar um jovem dos maltratos de sua mãe alcóolatra. Apontado pelos críticos de cinema de New Mexico, nos EUA, como a melhor atuação masculina do ano, Eastwood “é um verdadeiro monumento de Hollywood, uma lenda viva que segue fiel a seus princípios. Perto do centenário, ainda nos oferece um filme bonito que reafirma o seu apreço pela lealdade e por uma vida simples, na qual é essencial negociar com os fantasmas do passado, bem como se comunicar claramente com as pessoas do presente. É preciso estar aberto e atento para aprender com o outro”, conclui o crítico Marcelo Müller.
08. Druk: Mais Uma Rodada (Druk, 2020)
O longa dinamarquês foi lançado no seu país de origem no ano passado, mas chegou ao Brasil somente em 2021. Vencedor do Oscar (EUA) e do Bafta (Inglaterra) como Melhor Filme Internacional, acumulou premiações por onde foi exibido, como o César (França) e em San Sebastian (Espanha). Foi o grande vencedor, ainda, do European Film Awards e do Robert, o “Oscar” da Dinamarca, tendo sido premiado em sua terra natal como Melhor Filme, Direção, Roteiro Original, Montagem e Ator. Mads Mikkelsen é Martin, um professor cansado da própria vida que descobre numa experiência ao lado de três amigos um novo ânimo: manter-se constantemente alcoolizado, evitando a sobriedade. A respeito do resultado, o crítico Robledo Milani analisou que “com uma estrutura como a proposta em mãos, facilmente o diretor poderia resvalar na comédia, incorrendo, inclusive, no pastelão. O humor não está distante (…) o filme é uma reflexão sobre a condição de cada homem e os laços que vão sendo estabelecidos no decorrer de uma existência. Um grito de socorro em meio a uma celebração do potencial humano”.
07. A Mão de Deus (È stata la mano di Dio, 2021)
Paolo Sorrentino ganhou o Oscar por A Grande Beleza (2013), e desde então se tornou um dos nomes mais interessantes do cinema italiano e europeu. Seu mais recente trabalho mistura memórias da própria juventude com fatos pitorescos do esporte e da cultura da Itália em meados do século XX. Indicado ao Globo de Ouro, Satellite e Critics Choice 2022 como Melhor Filme Internacional do ano, está concorrendo ao European Film Awards como Melhor Filme e Direção, além de ter sido premiado no Festival de Veneza com o Leão de Prata, entre outros reconhecimentos. Marcelo Müller, em sua análise do filme, afirmou que “em meio à ternura deste aceno ao passado, o diretor nos aproxima do protagonista de sua trama como um convite a experimentar a sua visão bastante particular de mundo. (…) Fala do próprio universo de forma tão sensível e lírica que permite o espectador identificar-se aqui e acolá. Defende que é preciso abrir os olhos e perder a inocência para crescer, nem que isso torne as coisas mais difíceis”.
06. Meu Pai (The Father, 2020)
Indicado ao Oscar em seis categorias – inclusive Melhor Filme – e premiado como Melhor Roteiro Adaptado e Ator, para um hipnotizante Anthony Hopkins, o longa dirigido por Florian Zeller ganhou ainda o Bafta, o European Film, o Goya, o Festival de San Sebastian e muitos outros. Baseado numa peça do próprio autor – que já havia sido adaptada para o cinema em A Viagem de Meu Pai, 2015 – esse drama sobre um homem octogenário que não consegue mais identificar o que é real ou fantasia, memórias ou ilusões, conta com um elenco de primeira e uma condução precisa, e como resultado se mostra “como um quebra-cabeças, montado com paciência e determinação, se constrói um dos filmes mais importantes sobre o tema, não só por tudo que evidencia na tela, mas, acima disso, pela compreensão que permite acessar por meio do que é não dito, mas muito sentido”, reflete o crítico Robledo Milani.
05. Ema (2019)
Antes do chileno Pablo Larraín se tornar um dos nomes mais aguardados do momento pelo ainda inédito Spencer (2021), voltou para seu país de origem para mais uma parceria com seu alter-ego, o ator Gael Garcia Bernal (este é o terceiro trabalho dos dois em conjunto). Premiado no Festival de Veneza, essa história de amor sobre um casal tendo que lidar com uma adoção que não sai como o esperado tem na dança – profissão da personagem-título, interpretada pela revelação Mariana Di Girolamo – o meio para expressar encontros aguardados e sentimentos represados, decepções e expectativas, sempre de forma lírica e assumidamente emocional. “No percurso performático da trama, com direito a imagens retóricas, carregadas de um simbolismo forte, a protagonista representa também o preço a ser pago no percurso à obtenção da liberdade, sendo a totalidade desta uma utopia. (…) Corporalidade e carnalidade viram combustíveis. Ainda sobre estereótipos, o Chile apresentado não é despersonalizado ao ponto de indeterminar-se, mas estilizado nessa proposta de filtrar personagens e circunstâncias, aqui compreendidos como insumos de realidade, por um prisma que ora confronta, ora enfatiza as subjetividades em rota de colisão”, conclui o crítico Marcelo Müller.
04. First Cow: A Primeira Vaca da América (First Cow, 2019)
Baseado no romance The Half-Life, de Jonathan Raymond, o oitavo longa da diretora e roteirista Kelly Reichardt se mostrou um dos trabalhos mais incensados de sua carreira. Selecionado para o Festival de Berlim, foi indicado ao Critics Choice e ao Film Independent Spirit Awards, além de ter sido eleito um dos dez melhores do ano pelo National Board of Review e pela prestigiosa revista Cahiers du Cinema. Um faroeste revisionista sobre o início do Sonho Americano, tem como protagonista um cozinheiro que une forças com um imigrante chinês, dando início a um negócio que pode se mostrar tanto um sucesso como fadado ao fracasso. De acordo com o crítico Bruno Carmelo, a diretora “explora muito bem os cenários, os interstícios de silêncio, os instantes pontuais de música e a comicidade do cotidiano. As atuações centrais são simples, sem afetações nem busca exagerada pelo minimalismo, enquanto o ritmo permanece coeso, sem uma única cena se estendendo mais do que as outras. O filme comprova o refinamento de tom e linguagem de sua diretora, cujo cinema se torna cada vez mais límpido e dilapidado”.
03. Maligno (Malignant, 2021)
O criador de sagas como Jogos Mortais, Sobrenatural e Invocação do Mal não parecia ser alguém capaz de entregar um dos melhores filmes do ano. Porém, James Wan contrariou qualquer expectativa mais pessimista e fez exatamente isso em 2021, com essa trama que inverte paradigmas do gênero e oferece algumas das reviravoltas mais impressionantes da temporada. Não por acaso, acabou sendo indicado como Melhor Filme de Horror do ano pela Associação de Críticos de Hollywood e pelos críticos de Phoenix e de Portland, nos EUA. Antes de voltar ao universo dos blockbusters com a sequência de Aquaman (2018), o diretor resolveu fazer um longa quase caseiro, baseado mais no enredo do que nos efeitos visuais e sonoros. A respeito, o crítico Robledo Milani observou que “eis aqui um filme que sabe bem o que pretende e como atingir tal resultado, não se importando o quão fundo tenha que ir em cada uma das suas escolhas. É por essa resiliência e determinação, combinada a um conjunto tão apaixonado quanto assustador, que sua força se confirma, entregando algo ao mesmo tempo único e múltiplo, seja pela forma como recombina velhos signos como também os aproveita com originalidade e efervescência. O efeito é singular, e por isso mesmo, perdura além das imagens geradas em cena. Um efeito que não pode ser desprezado”.
02. Ataque dos Cães (The Power of the Dog, 2021)
Apontado desde já como um dos favoritos ao Oscar 2022, o novo longa de Jane Campion começou a chamar atenção do público e da crítica após sua exibição no Festival de Veneza, de onde saiu com o Leão de Prata de Melhor Direção. Desde então, já foi indicado em diversas categorias no Globo de Ouro, Critics Choice e Satellite, além de ter sido eleito o melhor do ano pelas associações dos críticos de Boston, Chicago, Dallas-Fort Worth, Florida, New Mexico, Nova Iorque, Filadelfia, Phoenix, Southeastern e Utah. Também ambientado no velho oeste norte-americano, combina desejos represados com anseios que não podem ser escondidos, a partir da união de um casal e o desconforto que esse casamento provoca no irmão dele e no filho dela. Não por acaso, “o filme termina por aliar religiosidade e sexualidade de maneira tão perversa quanto psicologicamente complexa (…) A diretora desenha a construção e desconstrução da masculinidade tradicional sem qualquer viés de revanche ou punição, apenas um olhar clínico à retórica do discurso do macho, e suas fragilidades face à pluralidade do desejo. A fortíssima conclusão serve de final feliz ao avesso, na compreensão de que a libertação de uns implica na aniquilação do outro. Diante da fobia e do ódio, não há possibilidade de reconciliação”, analisa o crítico Bruno Carmelo.
01. Nomadland (2020)
O melhor filme do ano pelos críticos do Papo de Cinema é também o grande vencedor do Oscar 2021! Vencedor de 3 estatuetas da premiação da Academia de Hollywood – Melhor Filme, Direção e Atriz – ganhou ao todo mais de 230 prêmios na última temporada. Escrito e dirigido por Chloé Zhao – a segunda mulher a ser premiada como realizadora com um Oscar – o longa tem em sua protagonista, interpretada com imensa dedicação por Frances McDormand (que ganhou um raro terceiro Oscar por este desempenho), sua força e ponto de vista, fazendo de Fern uma mulher “sem casa, mas não sem lar”. Uma andarilha que vaga pelo interior dos Estados Unidos em busca de afetos e reconhecimento, ao mesmo tempo em que vai abrindo espaço para feridas que insistem em não cicatrizar na sociedade contemporânea. A respeito, o crítico Robledo Milani observou que o filme “parte do menor dos microcosmos para traçar um painel tão amplo quanto universal. Independente se no meio de uma luta pela sobrevivência ou por simplesmente não conseguir identificar outra forma de garantir sua individualidade, os personagens deixam claro que, entre partir ou ficar, mais importante ainda é se encontrar. Algo que parece simples, mas que pode fazer toda a diferença do mundo”.
Robledo Milani, editor-chefe
Bruno Carmelo, editor SP
Marcelo Müller, editor RJ
Victor Hugo Furtado, redator