Não foi fácil chegarmos a apenas dez títulos entre os melhores do Terror nos últimos vinte anos – foram consideradas apenas produções lançadas a partir de 2001. Para tanto, cinco críticos da equipe do Papo de Cinema (Robledo Milani, Bruno Carmelo, Marcelo Müller, Leonardo Ribeiro e Victor Hugo Furtado), mais outros cinco colegas chamados especialmente para essa ocasião (Sarah Lyra, Lucas Salgado, Alysson Oliveira, Daniel Oliveira e Ailton Monteiro), apontaram os seus favoritos nesse período. No convite, eram poucas as especificações: cada um deveria apontar apenas os seus prediletos no gênero, sem excluir nenhuma das suas inúmeras vertentes: horror, gore, trash, thriller, psicológico, terrir, etc. Como resultados, tivemos mais de 80 títulos citados, o que mostra o quanto a qualidade deste tipo de produção tem se tornado cada vez mais evidente – e frequente. A se lamentar, no entanto, a ausência de produções brasileiras nessa seleção: apenas quatro chegaram a receber votos, sendo uma delas o único curta-metragem lembrado pelos votantes. Entre os que ficaram de fora, tivemos também produções sul-coreanas, espanholas, dinamarquesas, mexicanas, francesas, iranianas, japonesas e austríacas, entre outras. Mas quem dominou a seleção final foram os Estados Unidos, com oito longas, mais um da Suécia e outro da Austrália. Quer saber quais foram os nossos finalistas? Confira a seguir!
10º: Cidade dos Sonhos (Mulholland Dr., 2001)
Considerado por muitos o melhor filme deste século, é bem provável que este longa de David Lynch não tenha alcançado uma posição melhor no nosso ranking por um simples motivo: seria ele, mesmo, um filme de terror? Há quem o considere um drama, ou um suspense, ou ainda um thriller psicológico. Dos nossos dez votantes, apenas três o citaram em suas listas: todos os que assim fizeram, porém, o colocaram em primeiro lugar. Foi o suficiente, portanto, para garantir essa décima – e honrosa – colocação. Horror ou não, esta perturbadora viagem pelo lado sombrio de Hollywood recebeu indicações ao Oscar e ao Globo de Ouro, e foi premiado no Bafta e no Festival de Cannes, de onde saiu com o troféu de Melhor Direção. Repleto de signos por muitos considerados indecifráveis, é uma obra hipnotizante, que motiva tanto os admiradores a mergulhar fundo na sua fantasia, como afugenta os menos dispostos, pois aqui nada é entregue sem cobrar um alto preço por isso.
“O diretor não menospreza a capacidade intelectual do espectador, incitando-o a ir adiante, construindo o seu próprio filme e estabelecendo por si as conexões entre as diversas possibilidades apresentadas, sem estabelecer nada de forma definitiva. Por outro lado, tudo está bem exposto, mas para que isso seja percebido é preciso atenção, e, acima de tudo, um esforço intelectual acima da média do que geralmente Hollywood exige”. Confira na íntegra a crítica de Robledo Milani
9º: Deixa Ela Entrar (Lat den rätte komma in, 2008)
Único título não falado em inglês da nossa lista, essa produção sueca foi sucesso de público – arrecadou cerca de três vezes o valor do seu orçamento – e de crítica – foi indicada ao Bafta e premiada no National Board of Review, entre os mais de 70 prêmios e outras 50 indicações que recebeu ao longo de sua carreira – a tal ponto que, obviamente, não poderia passar desapercebida por Hollywood. Tanto foi que apenas dois anos depois ganhou uma refilmagem estrelada por Kodi Smit-McPhee e Chloe Grace Moretz e dirigida por Matt Reeves (Planeta dos Macacos: O Confronto, 2014). O diretor do original, Tomas Alfredson, por sua vez, realizou depois o oscarizável O Espião que Sabia Demais (2011) – e o constrangedor Boneco de Neve (2017), pois ninguém é perfeito. Aqui, no entanto, narra a peculiar amizade que surge entre um garoto solitário e uma menina órfã. Quando ele descobre que ela, na verdade, é uma pequena vampira, a relação entre as duas crianças se torna ainda mais forte.
8º: Os Outros (The Others, 2001)
Lançado logo na virada do século, este perturbador conto de fantasmas (seria isso já um spoiler?) foi prejudicado por dois outros filmes: O Sexto Sentido (1999), que estreou pouco tempo antes e oferecia uma reviravolta final bastante similar, capaz de alterar a percepção do espectador por completo, e Moulin Rouge (2001), lançado no mesmo ano e responsável por catapultar a protagonista Nicole Kidman ao estrelato mundial. Aqui, a atriz oferece um outro lado da sua versatilidade, revelando um viés mais frio e contido, exatamente o oposto da esfuziante e explosiva Satine do musical de Baz Luhrmann. Conduzida pelo chileno Alejandro Amenábar, ela aparece como a mãe de duas crianças que, enquanto espera pelo marido voltar da guerra, tenta resguardar a casa onde habitam de perturbadoras manifestações difíceis de serem explicadas. Indicado ao Globo de Ouro e ao Bafta, foi eleito o melhor filme de horror do ano pela Academia de Cinema de Ficção-Científica, Fantasia e Horror dos EUA, além de ter sido selecionado para o Festival de Veneza.
7º: Hereditário (Hereditary, 2018)
Longa de estreia do diretor Ari Aster (que depois comandaria outro exemplar do gênero, Midsommar: O Mal Não Espera a Noite, 2019, que, no entanto, foi citado por apenas um dos nossos votantes), este filme fala de uma família tendo que lidar com uma série de inesperadas perdas. Se Gabriel Byrne e Alex Wolff entregam o que deles se espera, e a jovem Milly Shapiro é uma revelação, o grande destaque do elenco é uma irretocável Toni Collette. Qualquer eventual exagero da matriarca por ela criada pode – e deve – ser creditado na conta do cineasta, e nunca no empenho dessa protagonista acima de qualquer suspeita. Tanto é que foi indicada ao Critics Choice e ao Independent Spirit, além de ter ganho mais de uma dezena de prêmios de associações de críticos por todo os Estados Unidos.
“(O filme) se esforça, a olhos vistos, para ser um filme de horror com pedigree. Para isso, posterga a revelação do background que remonta a demônios milenares, promovendo seu surgimento paulatinamente, mas não de maneira competente (…) Não faltam elementos perturbadores ao longo do filme, como crianças montando maquetes estranhas com cabeças de pombos e decapitações humanas, que o cineasta faz questão de mostrar para nos chocar”. Confira na íntegra a crítica de Marcelo Müller
6º: Nós (Us, 2019)
Logo após ganhar o Oscar por Corra! (2017), Jordan Peele voltou às telas com uma história ainda mais assustadora. Contando agora com a também oscarizada Lupita Nyong’o como protagonista, ele investiga o submundo de um país acostumado a empurrar para debaixo do tapete tudo aquilo que não agrada aos olhos. Porém, é certo que, mais cedo ou mais tarde, o que deveria permanecer escondido ganhará forças para se manifestar e partir em busca do que acredita ser seu por direito. Escolhido o Melhor Filme de Horror do ano no Critics Choice, merece ser visto com os olhos bem abertos!
“Fazendo jus à tradição do horror, criando uma alegoria que retrabalha cinematograficamente certas rachaduras sociais, o cineasta faz dessa uma vibrante jornada pela obscuridade, não apenas da sociedade norte-americana, mas também dos indivíduos que dela fazem parte. (…) O longa escancara a sua filiação ao horror ao investir com rara efetividade na delineação de um clima de angústia e medo”. Confira na íntegra a crítica de Marcelo Müller
5º: O Farol (The Lighthouse, 2019)
Robert Eggers não é o único cineasta com dois filmes na nossa lista. Mas é aquele com seus trabalhos ocupando as melhores posições. Combinando fantasia com figuras míticas, narra aqui a história de dois homens – um mais veterano e um novato – que são responsáveis por cuidarem de um velho farol abandonado por tudo e por todos. Premiado pela crítica no Festival de Cannes, recebeu também indicações ao Oscar, ao Bafta e ao Critics Choice, entre as dezenas de condecorações conquistadas. Uma curiosidade deste título é que se trata de uma produção da brasileira RT Features, comandada por Rodrigo Teixeira. Ele e um dos protagonistas, o astro Willem Dafoe, aliás, falaram com exclusividade com o Papo de Cinema, e a nossa entrevista com os dois você confere aqui!
“Quando a arriscada composição se confirma, como um quebra-cabeça sendo montado sem pressa ou atropelo, o filme adquire outra dimensão, indo além da razão para propor uma lógica maior do que aquela aspirada em seus momentos iniciais. Há em cena mais do que o perceptível pelos sentidos básicos, obrigando tanto personagens quanto espectadores a trafegar pela fantasia e imaginação. Esse direcionamento, no entanto, não é imposto, muito menos reflexo de uma tomada de decisão impensada: é algo que se verifica naturalmente, como se fosse o único caminho viável. E entre fantasmas e sereias, seres místicos e alucinações, o que se manifesta como fruto desse conjunto é um horror maior do que qualquer possibilidade concreta”. Confira na íntegra a crítica de Robledo Milani
4º: O Babadook (The Babadook, 2014)
Co-produção entre Austrália e Canadá, é o outro título dessa lista a não ter sido realizado nos Estados Unidos. E conquistou esse lugar com impressionante merecimento. Trabalho de estreia da diretora e roteirista Jennifer Kent – que é também atriz, tendo participado de filmes tão diversos como Babe: O Porquinho Atrapalhado na Cidade (1998) – é responsável por criar uma das figuras mais assustadoras do cinema de horror neste século. O personagem-título é um ser que passa a aterrorizar a vida de uma mãe solteira e seu filho pequeno, neste conto em que nada é o que parece. Não por acaso, foi considerado o melhor filme do ano pela Academia de Cinema da Australia e pela Associação dos Críticos de Cinema Australianos, além de ter sido indicado ao British Independent e ao Critics Choice.
“Aprofunda-se em uma trama sobrenatural, criando um terceiro ato tenso, principalmente graças às ótimas performances da dupla protagonista. Mas é importante notar como qualquer explicação nos é negada – ou melhor, poupada – já que, como o plano que encerra o longa-metragem prova, é sobre o processo de perdão entre a mãe, Amelia, e seu filho, Samuel. O que mais nos aterroriza não é o bicho papão que assoma os personagens, mas o medo, e a irracionalidade vinda desse, dentro de uma relação que antes de tudo deveria ser de amor incondicional”. Confira na íntegra a crítica de Yuri Correa
3º: Corrente do Mal (It Follows, 2014)
A morte está no seu encalço. Ela não tem pressa, mas também não irá desistir. E não adianta fugir: de um jeito ou de outro, irá alcançá-lo. Essa é a premissa do longa escrito e dirigido por David Robert Mitchell. Só há uma maneira de evitar que a maldição caia sobre aquele que está marcado: passá-la adiante! Exibido no Festival de Cannes, foi indicado como Melhor Filme de Horror do ano no Critics Choice e na Academia de Cinema de Horror, Fantasia e Ficção-Científica, além de ter arrecadado nas bilheterias mais de vinte vezes o valor do seu orçamento! Sucesso sim ou com certeza?
“O cinema de terror ou suspense nos ensinou com o passar dos anos que aquilo que não vemos ou não sabemos o que é assusta mais do que qualquer monstro feio rugindo na nossa frente. A não ser que essa ameaça venha andando vagarosa e descaradamente na nossa direção em plena luz do dia, sem que se possa fazer nada para impedi-lo de matar a não ser fugir. Assim é o filme concebido por David Robert Mitchell que, além de estabelecer um universo e uma metáfora instigantes, consegue ainda o que filmes de horror raramente tem alcançado hoje em dia: assustar”. Confira na íntegra a crítica de Yuri Correa
2º: Corra! (Get Out, 2017)
Até então um comediante de menor expressão, Jordan Peele passou a ser visto em Hollywood – e no mundo inteiro – com outros olhos a partir do lançamento deste perturbador conto sobre racismo e psicopatia. Quando um jovem rapaz negro é convidado pela namorada – ela uma mulher branca – a passar um fim de semana na casa de campo dos pais dela, nem ele – e muito menos a audiência – poderia imaginar o que estaria prestes a acontecer. Premiado no Oscar como Melhor Roteiro Original, recebeu outras três indicações – inclusive a Melhor Filme – e ganhou mais de 150 prêmios ao redor do mundo, além de ter acumulado outras 200 indicações!
“Não permanecemos totalmente no escuro, mas tampouco temos informações suficientes, até certo ponto da trama, para tomar por concreta a possível ameaça à espreita. Somos levados a, assim como o protagonista, aproximarmo-nos ainda mais na tentativa de compreender o que a densidade daquela atmosfera realmente significa. (…) é um daqueles filmes que nos preserva em permanente estado de alerta, interessados no destino dos personagens, especialmente no do protagonista, que se sente um peixe fora d’água num ambiente hostil à sua etnia”. Confira na íntegra a crítica de Marcelo Müller
1º: A Bruxa (The Witch, 2015)
A posição de primeiro lugar foi conquistada com até certa facilidade – nada menos do que 15 pontos o separaram do segundo colocado, para se ter ideia. E tudo isso se deve… ao Black Phillip? Talvez, mas ele não seria nada se não fosse a mente prodigiosa e o talento superlativo do diretor e roteirista Robert Eggers, responsável por ter criado essa história sobre uma família da Nova Inglaterra que, no século XVII, precisa lidar com acusações de bruxaria, magia negra e uma possessão que irá transformar suas vidas de forma irremediável. Co-produzido pelo brasileiro Rodrigo Teixeira, da RT Features, foi premiado como Melhor Filme de Estreia (e melhor roteiro de estreia) no Independent Spirit Awards e como Melhor Direção no Festival de Sundance, além de ter sido indicado ao Critics Choice.
“Não é filme para consumo barato e imediato, como tantos outros sucessos do gênero. Os esforços aqui reunidos revelam uma obra refinada, que brinca com o ato de assustar de forma responsável, com parcimônia e bastante cuidado, sem revelar nada além da conta e medindo com sabedoria cada nova revelação. O sobrenatural se une a um medo genuíno, vítima do preconceito e da ignorância, motivada por questões sociais e religiosas que tanto poderiam estar em voga na época retratada como nos dias de hoje. Afinal, tais ameaças podem ter as mais variadas formas, inexplicáveis ou não, e muito mais assustadoras e irremediáveis são quando as reconhecemos no próprio reflexo”. Confira na íntegra a crítica de Robledo Milani
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