O circo de Ingmar Bergman neste filme não é exatamente um lugar onde a alegria reina soberana. Os mambembes que perambulam em troca de sorrisos e um pouco de dinheiro se debatem nos bastidores do picadeiro carcomido pela ação do tempo. Um dos personagens mais emblemáticos é Frost (Anders Ek), exatamente o palhaço, cuja danação nos é apresentada num flashback. A esposa dele decide banhar-se nua com alguns militares. Ao invés de agir conforme as expectativas, ou seja, defender a sua “honra”, até com rompantes de agressividade, ele, consternado, resolve esconder a nudez da mulher, ao nota-la constrangida pelos desdobramentos de suas atitudes. O palhaço, assim, demonstra extrema sensibilidade ao infortúnio alheio, colocando suas demandas pessoais completamente em segundo plano. A partir daí, ocorre toda sorte de problemas, não necessariamente centralizados em Frost, já que o foco se desloca às dificuldades de convivência entre o proprietário da lona e sua companheira cansada da vida nômade e paupérrima. Contudo, o relacionamento alheio é beneficiado, no que tange à sua significação na tela, pelo prólogo de Frost, bem como por sua presença constante, com um semblante carregado de melancolia por baixo da maquiagem. O palhaço, aqui, pode não ser o protagonista, mas sua sina de disfarçar a tristeza para assumir o personagem que simboliza o júbilo no palco é um dos ingredientes mais importantes deste grande filme de Ingmar Bergman.
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