Natal, Ano Novo, Dia das Mães, dos Namorados, das Bruxas e até da Independência. São comuns na tela grande os mais diversos tipos de feriados, alguns mais frequentes do que outros, como motivo de reunião de personagens e eventos catárticos. A Páscoa, no entanto, marca presença nesta lista quase como um estranho no ninho: afinal, você consegue lembrar com facilidade de um grande filme cuja história se passe durante estes três dias, naturalmente associados à culpa cristã ou ao regozijo comercial de coelhos e chocolates? Nossa ideia inicial era focar apenas nesses segundos elementos, mas foi impossível encontrar dez títulos que atendessem nossos interesses. Portanto, decidimos investigar também os motivos religiosos, principalmente aqueles que centrados na origem da data – a morte e a consequente ressurreição de Jesus. Dessa forma, combinando reflexão com entretenimento, chegamos a estes dez longas que talvez não sejam os melhores, mas que certamente refletem com cuidado a dualidade desta época do ano. Confira!
Desfile de Páscoa (Easter Parade, 1948)
Numa época em que Gene Kelly e Fred Astaire disputavam para ver quem era o dançarino mais popular de Hollywood, os dois precisaram um do outro para levar à tela grande este roteiro escrito pelo famoso romancista Sidney Sheldon a partir do popular musical de Irving Berlin. Afinal, Kelly havia sido a primeira opção para o protagonista, mas por complicações com um outro trabalho precisou desistir, obrigando-o a recorrer ao rival como a única pessoa capaz de substituí-lo à altura. Intrigas dos bastidores à parte, Astaire brilha ao lado de Judy Garland em uma história que tem traços do clássico Pigmaleão – que, anos mais tarde, renderia o oscarizado Minha Bela Dama (1964). Em resumo, ele é um astro dos clubes noturnos que aposta que pode transformar alguém ao acaso em estrela. Para isso, escolhe uma novata como sua parceira, sem contar, no entanto, com uma coisa: que os dois acabariam se apaixonando. A Páscoa, que inclusive está no título, é apenas uma citação festiva, servindo para pontuar o passar do tempo no início e no fim da trama. Apesar disso, a alegria contagiante e o clima de pura diversão não poderiam ser mais apropriados para esse período do ano! – por Robledo Milani
O Rei dos Reis (King of Kings, 1961)
A vida de Jesus Cristo sempre foi vista com entusiasmo por Hollywood, porém em alguns períodos com maior afeição e interesse do que em outros. Nesse sentido, talvez a adaptação de Nicholas Ray tenha sido a primeira a chamar a atenção do público e da crítica pela grandiosidade dos seus cenários, os nomes do elenco e a recepção nas bilheterias. Tanto que foi depois dela que vieram outros títulos similares, como A Maior História de Todos os Tempos (1965) e A Bíblia (1966). Esta versão, no entanto, é a mais idealizada possível, bem de acordo com o que se esperava na época. Como protagonista, Jeffrey Hunter – que ficou marcado pelo papel, sem nunca ter feito outro de destaque até sua morte, precocemente em 1969 aos 42 anos – surge de cabelos longos e loiros, olhar cândido e voz pausada. Do nascimento à morte, passando por todas as provações terrenas até o ápice em sua ressurreição e ascensão aos céus, muitos dos dogmas cristãos são abordados, porém sem questionamentos ou dúvidas, bem diferente de como seriam releituras posteriores dessa mesma saga. Ainda assim, o longa tem seu lugar cativos entre as produções do gênero, mais pelo valor histórico do que por méritos próprios. – por Robledo Milani
Jesus Cristo Superstar (Jesus Christ Superstar, 1973)
Adaptado do musical homônimo, esta é, provavelmente, uma das mais polêmicas adaptações da paixão de Cristo no cinema. Homem ou Deus? Quem foi Jesus Cristo? Simplesmente um profeta que gozava de grande empatia, ou o próprio enviado dos céus para purificar nossos pecados com seu sangue? Dogmas religiosos e crenças à parte, não há como negar a força de Jesus como personagem, muito menos a dramaticidade da história que ele protagonizou. A novidade é que aqui temos um Jesus peregrino, que canta seus derradeiros momentos. Todos cantam, aliás, o tempo todo. A música e a atmosfera meio hippie são elementos que deflagram rápido e apresentam o substrato da construção cinematográfica. No entanto, o que funciona melhor é a humanização dos personagens que ficaram para a história, goste-se ou não, como testemunhas de algo longe do homem, pertencente à esfera do divino. O filme de Norman Jewison suscitou polêmicas, mas não se propõe ao revisionismo histórico, ou mesmo a apresentar fatos novos acerca desta que é a uma das mais conhecidas histórias da humanidade. No entanto, é exitoso justamente por trazer os medos, angústias e hesitações destes personagens, reconhecidos através dos séculos, mais para o plano terreno. – por Marcelo Müller
A Vida de Brian (Life of Brian, 1974)
A Páscoa celebra a ressurreição de Jesus Cristo. Segundo a história cristã, ele voltou dos mortos após a famosa crucificação na colina Gólgota. Provavelmente a encenação mais espirituosa do tal calvário é a vista neste filme do grupo britânico Monty Python. Na verdade, quem fica estirado na cruz é Brian (Graham Chapman), homem que vive na Judeia. Sua trajetória tem uma série de similaridades com a do homem de Nazaré. Pregador involuntário, em dado momento é alçado pelo povo à condição de Messias, algo que ele certamente não queria. As sátiras – consideradas blasfêmias por alguns – se sucedem com uma qualidade impressionante, unindo comédia e crítica social. Voltando à crucificação, momento que encerra o longa-metragem, ela se dá ao som da famosa Always Look On The Bright Side of Life, canção otimista que contrasta fortemente com a cena, a priori, trágica dos condenados definhando estatelados sob o sol escaldante, na qual um colega pendurado diz a Brian que ele deve ver a vida e a morte pelo lado bom que ambas têm. Iconoclastas, os Python faziam troça do que viesse pela frente, não deixando pedra sobre pedra, mesmo quando o assunto era um símbolo como Cristo, aqui (camuflado pela figura de Brian) tão propenso ao ridículo quanto qualquer um. – por Marcelo Müller
A Última Tentação de Cristo (The Last Temptation of Christ, 1988)
Responsável por grande polêmica na época de seu lançamento, o filme de Martin Scorsese foi amplamente atacado por fundamentalistas cristãos que o julgavam como um insulto ao seu credo. Adaptado da obra de Nikos Kazantzakis, o longa traz não um Jesus Cristo abençoado, mas um que ao invés da bondade e sabedoria carrega consigo o questionamento, o medo e outras fraquezas humanas. Mas é importante perceber: tais críticas não se fundamentam justamente pelo resultado não ser nocivo aos ensinamentos cristãos. Apenas nos é apresentada uma versão mais realista e menos calcada no fantasioso. É na prudência como conduz os conflitos internos e externos do protagonista que reside o grande mérito do realizador. Um bom exemplo são as apontadas relações sexuais com Maria Madalena: sendo Jesus parte homem e parte deus, é lógico que possuísse características de ambos, inclusive a libido. Willem Dafoe se mostra uma escolha acertada para viver o mais famoso dos personagens, com uma expressão de um homem perturbado, confuso e muitas vezes em desespero. Em última instância, Scorsese retrata com precisão os sentimentos humanos a favor de um objetivo de se alcançar o divino, revelando no processo complexidade, respeito e profundidade artística na história milenar de seu maior símbolo. – por Yuri Correa
A Paixão de Cristo (The Passion of the Christ, 2004)
Ao se falar da vinda de Jesus Cristo ao mundo dos homens, os sentimentos associados geralmente são de abnegação, entrega e respeito. Porém há um outro, tão forte quanto, mas que por uma questão de bem estar dos fiéis invariavelmente acaba sendo relegado a um segundo plano: o sofrimento. Pois Mel Gibson, em sua segunda incursão como diretor, decidiu inverter essa ordem de prioridades, resgatando o lado mais sombrio da jornada do filho de Deus pela Terra. O longa estrelado por Jim Caviezel se concentra basicamente nas doze horas finais da vida de Jesus de Nazaré, quando, já condenado à morte, precisa carregar a própria cruz até ser crucificado em Jerusalém. O retrato, portanto, cronologicamente seria dos momentos imediatamente anteriores ao início da Páscoa, mas com uma visão bastante naturalista e nada condescendente. Há dor, sangue, violência e agressões variadas ao infeliz protagonista, como se cada prova que desse fosse também uma demonstração do que estava disposto a fazer pelo bem da humanidade, culminando em sua própria morte. O resultado chocou os olhos mais sensíveis, mas acabou gerando mais de US$ 600 milhões nas bilheterias de todo o mundo – é a produção do gênero mais bem sucedida de todos os tempos – e recebendo ainda três indicações ao Oscar! – por Robledo Milani
Hop: Rebelde sem Páscoa (Hop, 2011)
O nosso top não ficaria completo sem mencionar os tradicionais ovos de Páscoa e, é claro, o protagonista de uma das datas mais consumidas de todos os anos: o coelho! A animação misturada com live-action pode não ser um primor, mas é divertida ao contar a história de J.R. (voz de Russell Brand), que deve assumir o lugar do pai (voz de Hugh Laurie) como coelho da Páscoa oficial. É claro que, como um bom peixe fora d’água, ele tem outro sonhos e foge para o mundo dos humanos e para em Hollywood, onde pretende trabalhar com música e se tornar um grande baterista. James Marsden e Kaley Cuoco respondem pelas participações humanas de maior destaque, funcionando mais como coadjuvantes de um personagem clássico que, curiosamente, nunca havia estrelado seu próprio filme. Os chocolates podem até ficar em segundo plano nesta aventura, mas nem por isso as guloseimas deixam de dar água na boca quando aparecem na tela. Afinal, ter um dos mascotes mais adorados do mundo como protagonista é coisa rara no cinema. Pode não ficar na memória, mas é um bom presente para esta época do ano. – por Matheus Bonez
A Origem dos Guardiões (Rise of the Guardians, 2012)
Colocando lado a lado algumas figuras clássicas do imaginário infantil, temos aqui é uma espécie de versão para crianças dos Vingadores, e coincidentemente o filme foi lançado alguns meses após a primeira reunião dos super-heróis da Marvel nos cinemas. Aqui, vemos Jack Frost juntar forças com os Guardiões, grupo formado por Norte (Papai Noel), Coelhão (Coelho da Páscoa), Sandman e a Fada do Dente, para deter Breu (o Bicho Papão), que está amedrontando as crianças com pesadelos e deseja colocar o mundo sob trevas. A proposta já chama atenção, e é bacana ver que suas ideias funcionam bem durante a maior parte do tempo, com o diretor Peter Ramsey desenvolvendo uma narrativa ágil e entretendo tanto com a história quanto com os personagens. Estes, por sinal, são concebidos como se fossem cada um de um canto do planeta (Norte é russo, Coelhão é australiano, Fada do Dente parece vir da América do Sul e assim por diante), dando ao grupo uma universalidade apropriada, sem falar que seus respectivos mundos se mostram visualmente imaginativos. É uma animação interessante, e até por isso uma pena que não tenha tido muita atenção por parte do público quando lançada. – por Thomas Boeira
O Filho de Deus (Son of God, 2014)
O sucesso do brasileiro Os Dez Mandamentos: O Filme (2016) não se trata de um fato isolado, muito menos original. Afinal, se a produção nacional nada mais era do que um compacto feito às pressas da novela de mesmo nome exibida meses antes na televisão, este longa aqui também partiu da mesma fórmula, tendo como ponto de partida a minissérie televisiva A Bíblia (2013). E se nela buscava-se uma abordagem tradicional dos relatos encontrados no livro mais vendido do mundo, na versão cinematográfica o foco estava no relato a respeito do homem que teria sido enviado pelo Criador para juntar-se aos homens e a eles lhes oferecer a palavra divina. Momentos como sua morte e a consequente ressurreição – o cerne da Páscoa, afinal – respondem pelo clímax dessa história que entusiasmou uma grande parcela do público (a bilheteria mundial gerou quase US$ 70 milhões), ao mesmo tempo em que recebeu um nariz torcido por grande parte da crítica (sua avaliação no Metascore é de 37% de reviews positivas). Os cenários podem ser bonitos e a história bem conhecida, mas atores pouco carismáticos e um diretor sem experiência no meio comprometem o resultado final, que merece ser lembrado apenas como uma curiosidade pontual, e não por seus (ausentes) méritos artísticos. – por Robledo Milani
Ressurreição (Risen, 2016)
A Páscoa nada mais é do que o fim da quaresma, período de resguardo e reflexão que culmina com a morte de Jesus Cristo, na Sexta-Feira Santa, e seu esperado renascimento dos mortos, três dias depois. Pois o filme dirigido por Kevin Reynolds – o mesmo de Robin Hood: O Príncipe dos Ladrões (1991) – se passa justamente nesse intervalo. No começo, o centurião romano interpretado por Joseph Fiennes está voltando após diversas batalhas apenas para ser informado sobre a crucificação de um “agitador das massas”. Com o alarde de que seria impossível mantê-lo morto por muito tempo, Clavius (Fiennes) fica encarregado de colocar seus melhores homens para vigiar a tumba onde o corpo estaria preso. Nada disso será suficiente, é claro, restando ao cético soldado rever seus conceitos após tal ‘milagre’. O protagonista se esforça em oferecer uma atuação convincente, e coadjuvantes de luxo como Tom Felton e Clif Curtis – como um Jesus Cristo bem mais convincente e etnicamente adequado, segundo revisões históricas – também colaboram, mas no geral seus empenhos são insuficientes diante uma condução equivocada e sem peso dramático. Resta válida a pertinência dessa abordagem, mais pelas indagações que talvez provoquem na audiência, e menos pelo resultado artístico que entrega ao público. – por Robledo Milani
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