Neste ano de 2013 o cinema pornográfico invadiu de vez a produção tachada de mais convencional. Com estreia de Azul é a Cor Mais Quente (2013), filme premiado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes que causou polêmica por uma sequência de mais de dez minutos mostrando uma relação sexual entre duas garotas de modo bastante visual, vamos lembrar aqui outros títulos que investem nessa aproximação entre os dois estilos. Vale destacar ainda o lançamento de Como Não Perder Essa Mulher (2013), comédia romântica sobre um rapaz (Joseph Gordon-Levitt, também estreando como diretor) que não consegue estabelecer um relacionamento devido ao seu vício em vídeos pornôs, e o recente Lovelace (2013), sobre a primeira atriz pornô a se tornar superstar. Confira a nossa relação de dez títulos que marcaram época mostrando no cinema mainstream o sexo de uma maneira mais explícita do que o esperado. A relação está em ordem cronológica, e não de preferência, ok? Afinal, no sexo e no cinema, todos os gostos são válidos!
O Império dos Sentidos (1976), por Robledo Milani
A polêmica entre a tênue linha divisória entre o cinema mainstream e a pornografia se instaurou pela primeira vez no outro lado do mundo, mais precisamente no Japão. Pois foi de lá que veio esse título escrito e dirigido por Nagisa Ôshima, premiado em festivais na Inglaterra e nos Estados Unidos. Baseado em fatos reais sobre um homem e suas diversas amantes que, tão envolvidos em sexo sem medidas e desejo incontrolável, acabam perdendo o controle de suas próprias vidas. As cenas explícitas, até hoje ousadas, provocaram verdadeiras revoluções nas salas de cinema há mais de trinta anos, levando que o filme fosse proibido em diversos países, inclusive no Brasil.
Calígula (1979), por Robledo Milani
Malcolm McDowell, Helen Mirren, Peter O’Toole, John Gielgud. Todos nomes de respeito e com currículos – até então – intocáveis. O choque, no entanto, começa com a assinatura na direção: Tinto Brass, o realizador italiano que construiu sua carreira em que o sexo era constantemente explorado sem barreiras nem pudores. O texto de Gore Vidal procurou ser o mais realista possível, e os bastidores da realeza romana foram explorados com violência, ousadia e muita nudez. Há por todos os lados pênis eretos, vaginas descobertas, seios balançantes e muita malícia. O César abusa de tudo e de todos, sem perdoar ninguém, e de fato não faria sentido se os espectadores fossem os únicos poupados.
O Amante (1992), por Robledo Milani
Jane March já tinha 19 anos, mas sua aparência frágil e quase infantil despertou o desejo e desconforto de milhares ao redor do mundo ao vê-la protagonizando ousadas cenas de descoberta sexual ao lado de Tony Leung nessa adaptação ao aclamado romance de Marguerite Duras ambientado na Indochina francesa em 1929. Indicado ao Oscar de Melhor Fotografia e indicado aos prêmios das academias de cinema do Japão e da França como Melhor Filme Estrangeiro, este foi um filme que fez renascer o interesse voyer de um espectador mais intelectualizado, porém não imune aos desejos da carne quando explícitos em tela grande!
Os Idiotas (1998), por Marcelo Müller
Muita gente odeia Os Idiotas, não tanto por conta das cenas de sexo explícito, mas pelo comportamento dos personagens, uma ode à idiotia como sinal de resistência. Lars Von Trier é um provocador, cineasta intrinsecamente ligado a polêmicas e outras ordens de discussão. Neste filme, ele põe um grupo para fingir doença mental nas ruas. A idiotia seria, segundo eles, sinal de sanidade num mundo de regras impostas e assimiladas quase automaticamente. Momentos escatológicos são responsáveis por tornar o filme pesado, isso esteticamente reforçado pelos postulados do Dogma 95, movimento do qual Os Idiotas faz parte. Lá pelas tantas, surge o sexo explícito, não sei bem se a fim de “naturalizar” o sexo ou, justo o contrário, para reforçar seu caráter simbólico. Aliás, o sexo filmado por Von Trier sempre carrega na pulsão de morte e trafega por um caminho instável e brutal por natureza. Incompreendido ou pretensioso para além de suas capacidades enquanto arte? Quase não importa, afinal de contas Os Idiotas foi feito para provocar, e provoca, cabendo a nós distinguir entre gratuidade e relevância.
Romance X (1999), por Robledo Milani
A diretora e roteirista Catherine Breillat se tornou conhecida por fazer um cinema feminista, que explora a sexualidade da mulher sem meios termos, indo de questões de gênero até sobre quem controla o desejo e o tesão. Poucos dos seus filmes foram tão fundo neste propósito, no entanto, quanto este drama sobre amor e desolação em que os personagens encontram conforto apenas nas mais perturbadoras barreiras propostas pelo sexo. O anúncio da provocação começou com a escolha do astro pornô Rocco Siffredi para um dos papeis principais – e ele, aparecendo como vem ao mundo e revelando seus maiores talentos – cumpre à altura o que se espera dele. Tamanho exagero, no entanto, esvai qualquer glamour ou atração pelo ato em si, revelando seu lado mais maquinal e, por que não, animal. Um filme que provoca com as mesmas armas que critica.
The Brown Bunny (2003), por Marcelo Müller
A marca “filme maldito” grudada em Brown Bunny tem a ver com uma cena específica, na qual a atriz Chloë Sevigny faz realmente sexo oral no diretor/protagonista Vincent Gallo. Como bem sabemos, a polêmica é componente que muitas vezes sobrepuja outros mais importantes, principalmente quando alimentada por algo sexual e contraposto aos padrões vigentes em sociedades moralistas, como bem é a nossa. O filme em si é sobre um piloto de motos assombrado por lembranças daquela que foi o amor de sua vida. Cruzando os Estados Unidos, empilhando relacionamentos efêmeros, ele tenta dissipar a dor, acelerando nas estradas e na intimidade como que em direção à morte física ou ao completo auto-aniquilamento sentimental. Introspectivo, Brown Bunny é um filme lento, cru, captado em 16mm, depois transferido para 35mm, o que confere à fotografia uma granulação bem marcada. A famigerada cena do sexo oral é muito bem filmada e contextualizada, não há qualquer traço de gratuidade ou deslocamento. Fazer uma lembrança de conteúdo sexual irromper na tela assim, sem filtros, acentua o drama do protagonista e nos mostra o quão complexa, realista e dolorosa pode ser uma projeção do passado.
9 Canções (2004), por Rodrigo de Oliveira
Poucos filmes ganharam um subtítulo no Brasil tão apropriado quanto esta produção de 2004 do britânico Michael Winterbottom, 9 Canções: Sexo & Rock’n’Roll. É exatamente isso que o espectador irá assistir durante os parcos 69 minutos de duração desta produção de baixo orçamento. Os atores Kieran O’Brien e Margo Stilley tem relações sexuais verdadeiras durante a gravação. Já a parte que envolve o rock é mais tradicional, e nos traz apresentações de bandas como Franz Ferdinand, Black Rebel Motorcycle Club e Elbow. O roteiro – ou fiapo dele – conta a história do inglês Matt (O’Brien) e da norte-americana Lisa (Stilley), um casal que se conhece durante um show do Black Rebel Motorcycle Club no Brixton Academy, em Londres. A narrativa é costurada com diversos shows de bandas britânicas, as nove canções do título. E é isso. Não chega a ser um filme de todo ruim, mas também não é uma grande obra. Poderia ser melhor se além do sexo e do rock, uma pitada maior de história fosse inclusa. A pergunta que fica é se os orgasmos da atriz foram genuínos como as cenas de sexo ou se esse foi um dos poucos momentos de real interpretação. Nunca saberemos.
Shortbus (2006), por Dimas Tadeu
Quão política a pornografia pode ser? Quão romântico por ser o sexo? Quão romântico pode ser o orgasmo? Este filme talvez responda essas e muitas outras perguntas. Dirigido por John Cameron Mitchell, o filme tenta colar os pedaços da cena jovem de Nova Iorque, despedaçada após o 11 de setembro de 2001. Entre cenas explícitas de sexo grupal, homossexual, heterossexual e até “autossexual”, por assim dizer, Mitchell nos revela, mais do que os corpos de seus atores, as almas de seus personagens. É curioso, por exemplo, perceber como o filme flerta com a comédia romântica em sua estrutura, mostrando que nossos corações e mente são, muitas vezes, um tabu muito maior do que nossos pintos, bundas e xoxotas. Um belíssimo e delicioso caleidoscópio que, ao emergir de qualquer lugar entre o Brooklyn e Manhattan, faz o filme vibrar em consonância com um mundo idílico, brilhante e, de repente, ideal.
Enter the Void (2009), por Dimas Tadeu
Nunca lançado no Brasil, Enter the Void (algo como “entre no vazio”) é uma das obras mais inspiradas de Gaspar Noé. A começar pelo nome, que sugere algo entre atração de circo e ficção científica. Na verdade, trata-se de uma boate em Tóquio que se torna palco de um dos principais acontecimentos do filme. O filme conta a história de Linda e Oscar, dois irmãos americanos que vivem no Japão. Ou melhor, o filme te transforma nesses irmãos e, desde os créditos iniciais (capazes de provocarem um ataque epilético), imerge o espectador na cabeça desses dois, permitindo que ele experimente as mesmas drogas, os mesmos medos, o mesmo ponto de vista. Após a reviravolta principal, na qual Oscar morre, passamos a observar Linda a partir de um corpo desencarnado e uma câmera que flutua, vaga, atravessa paredes. Uma viagem mais do que alucinógena transcendida ao ponto em que vira comentário religioso. Mais do que sexo explícito, o filme traz uma surpreendente cena de “dentro do sexo”, quando conceitos como sagrado, profano, incesto, estupro e amor se tornam uma única e incompreensível coisa, piscando diante dos nossos olhos com o frenesi de mil luzes de neon.
Um Estranho no Lago (2013), por Conrado Heoli
Vencedor do prêmio de melhor direção na mostra Um Certo Olhar e da Queer Palm no Festival de Cannes, este é um surpreendente suspense com clima hitchcockiano pautado em vivências (ou desejos) comuns a cultura homossexual. Franck inicia uma amizade com Henri, mas seu principal interesse se direciona para Michel. Do encontro dos dois, pulsões, incertezas e um crime; sexo, morte e a impossibilidade da solidão. A repercussão maior do filme se deu pelas alardeadas sequências de sexo explícito – devidamente integradas à narrativa e proposta do filme. Não apresentar o sexo num filme como este seria como não mostrar o espaço em Gravidade (2013). Guiraudie justifica suas intenções quando revela que esta é sua obra mais primitiva, uma vez que toda a ação transcorre no mesmo ambiente e absolutamente nada interrompe os principais símbolos do filme: a sexualidade, a excitação e a tensão. Além de Pierre Deladonchamps e Christophe Paou como Franck e Michel, as passagens protagonizadas por Patrick d’Assumçao, como Henri, são igualmente interessantes, mais introspectivas e até existencialistas. Artifícios mais recorrentes ao cinema de gênero são revistos enquanto o filme se encaminha para o clímax, numa atmosfera naturalista envolvente e intrigante.