top10 travestidos no oscar papo de cinema

Se o avanço na aceitação e entendimento da diversidade sexual humana é cada vez mais evidente, no mundo do cinema isso sempre foi uma realidade. Afinal, quantas histórias protagonizadas por personagens homossexuais – ou forçados a agirem como tais – já foram levadas às telas? O Oscar, prêmio máximo da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, por muito tempo tentou ignorar este fato, mantendo-o discreto. Mas em diversas ocasiões foi impossível ignorar certos desempenhos. Como Marlene Dietrich, inesquecível de fraque e cartola, beijando nos lábios uma coquete em Marrocos (1930) – naquela que se tornaria sua única indicação como Melhor Atriz – ou Linda Hunt, premiada como Melhor Atriz Coadjuvante por O Ano em que Vivemos Perigosamente (1983), filme em que interpreta Billy Kwan, o melhor amigo do protagonista – sim, ela é um homem no filme, indo além da questão de identidade sexual e se assumindo totalmente de forma masculina. Não foram poucos os casos em mais de 85 anos de premiação em que um ator ou atriz teve sua performance reconhecida ao vestir trajes do sexo oposto, e inspirado pela performance arrebatadora de Jared Leto em Clube de Compras Dallas (2013), um dos favoritos a conquistar uma estatueta dourada neste ano, o desafio da Equipe Papo de Cinema foi apontar os 10 melhores trabalhos neste sentido: os ‘travestidos’ mais marcantes já indicados – ou premiados – no Oscar. Confira!

 

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1. Jack Lemmon, em Quanto Mais Quente Melhor (1959) :: indicado como Melhor Ator
Os protagonistas são Joe e Jerry, dois músicos desempregados que se “transformam” em Josephine e Daphne para entrar numa banda que admite apenas mulheres. Enquanto Joe (Tony Curtis) corteja a personagem de Marilyn Monroe, para isso acrescentando outro tipo ao rol de mentiras (milionário à procura de amor), Jerry (Jack Lemmon) se vê às voltas com algo ainda mais inusitado do que o travestismo necessário: é alvo da paixão de um coroa ricaço que está hospedado no mesmo hotel em que sua banda toca todas as noites. Como a situação serve de álibi ao amigo, Jerry a leva adiante, alimentando assim as esperanças do senhor que parece ter encontrado o amor verdadeiro naquela musicista desajeitada que rejeita suas flores. Os momentos de maior comicidade do filme certamente são protagonizados por Lemmon, que deita e rola, fazendo caras e bocas e mostrando um desconforto impagável quando mulher. “Ninguém é perfeito”, diz o pretendente ao saber a verdade. A cena seria menos antológica não fosse a inesquecível cara de surpresa de Lemmon, um ator que, vestido de homem ou de mulher, fez comédia como poucos em Hollywood. – Por Marcelo Müller

 

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2. Chris Sarandon, em Um Dia de Cão (1975) :: indicado como Melhor Ator Coadjuvante
Dentro da estrutura repleta de personas excêntricas que o diretor Sidney Lumet constrói neste filme, ninguém melhor ilustra essa fábula sobre a geração desencontrada dos anos 1970 do que Leon Shermer, brilhantemente representado por Chris Sarandon. Leon é a “esposa” de Sonny (um impecável Al Pacino) e o principal motivo que o leva a assaltar o banco onde todo o espetáculo midiático acontece. Confuso a respeito de sua identidade, após os inúmeros conflitos com seu marido, Leon procura ajuda médica e é surpreendido com a formalização daquilo que era claro para qualquer um ao seu redor: ele era uma mulher. Descoberta que gera o desejo exasperado de realizar uma cirurgia de troca de sexo. E esse é o estopim que estimula Sonny a agir. O conflito de gênero, no entanto, é apenas um simbolismo do que toda aquela geração sentia. Sem uma Guerra do Vietnã para se oporem e com o movimento hippie perdendo o impulso dos primeiros anos, a falta de propósito existencial assola a juventude da época. Chris Sarandon consegue ricamente homogeneizar esses diversos fatores, entregando uma performance que traduz assertivamente tanto os dilemas sofridos por um indivíduo nesse impasse, quanto de uma geração que não consegue descobrir quem é. – Por Eduardo Dorneles

 

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3. Julie Andrews, em Victor ou Victoria (1982) :: indicada como Melhor Atriz
É provável 1982 tenha sido o ano mais gay da história do Oscar – ao menos até 2006, quando O Segredo de Brokeback Mountain, Transamerica e Capote foram indicados. Mais de duas décadas antes, no entanto, quatro atores foram indicados simultaneamente por interpretarem personagens do sexo oposto: Dustin Hoffman, John Lithgow, Robert Preston e uma marcante Julie Andrews. Ela, aliás, é o contraponto perfeito ao inesquecível trabalho de Hoffman em Tootsie (veja parágrafo seguinte). Em cena, a eterna Mary Poppins (1964) não só interpreta uma mulher se fingindo ser homem, mas vai além, marcando presença como uma mulher que se passa por um homem que finge ser uma mulher! Pois Victoria, a cantora desafortunada, só encontra fama e fortuna quando surge Victor, um rapaz gay que revela seu talento somente quando montado no melhor estilo drag. É preciso contar com muita boa vontade para imaginar a delicada Andrews convencendo como um personagem masculino, mas a magia que está ao seu redor em números musicais hipnotizantes permite que tudo seja relevado, além de carregar uma forte mensagem de tolerância e aceitação. Afinal, como ela mesmo diz: “se sabemos quem somos, quem se importa com o que os outros pensam?” – Por Robledo Milani

 

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4. Dustin Hoffman, em Tootsie (1982) :: indicado como Melhor Ator
Tootsie é uma comédia interessante, do ponto de vista que percorre um arco previsível, ao passo em que pisa com cuidado em diversos temas que, cheios de potencial para piadas machistas e excludentes, surgem em cena justamente como uma denúncia a estes comportamentos. Isso é algo que só pode ser descrito como admirável, uma vez que estamos falando de um filme produzido há mais de trinta anos. E chega a ser curioso observar que não foi Dustin Hoffman travestido quem levou os maiores louros por esta performance no longa, e sim uma colega do sexo oposto, Jessica Lange, premiada como melhor atriz coadjuvante. Não que Hoffman não esteja bem: pelo contrário, sua Dorothy é um resumo da visão que um homem tinha da mulher naqueles anos; vestida e coberta do pés ao pescoço e cheia de maneirismos, é divertido perceber como a encarnação feminina de Michael é, na verdade, uma junta de estereótipos que o personagem mais tarde virá a combater. Recebeu dez indicações ao todo no Oscar, tendo vencido só o já citado. Ainda assim, trata-se de uma divertida comédia, que conta até mesmo com Bill Murray e com uma participação do próprio diretor, Sydney Pollack. – Por Yuri Correa

 

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5. Jaye Davidson, em Traídos pelo Desejo (1992) :: indicado como Melhor Ator Coadjuvante
Jaye Davidson tornou-se conhecido após interpretar Dil, cabeleireira que se apaixona por Fergus (Stephen Rea), integrante do Exército Republicano Irlandês encarregado de matar o soldado inglês Jody (Forest Whitaker) em um sequestro realizado pelo IRA neste filme dirigido por Neil Jordan. No cativeiro, o terrorista e o militar aproximam-se, em um clássico caso de Síndrome de Estocolmo. Antes de morrer, a vítima convence o guerrilheiro a procurar pela namorada dele, sem contar ao algoz que ela é um travesti. Culpado pela morte de Jody e impressionado com a beleza de Dil, Fergus também se apaixona, fazendo colidir o mundo do ativismo político com o da diversidade sexual. Em seu primeiro papel no cinema, Davidson, homossexual assumido, chamou atenção ao compor um personagem cheio de nuances, bastante feminino, mas não afetado, delicado, mas também forte. O ator não se aproveita da orientação da personagem para criar algo espalhafatoso, levando em conta o quase sempre histórico de vida dramático de travestis para dar tons sofridos ao já melancólico personagem. A cena em que se revela a Fergus marca essa situação dolorosa de forma realista. Apesar do bom desempenho, Davidson fez apenas outro longa, Stargate (1994), além de um telefilme e de um curta. – Por Danilo Fantinel

 

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6. Hilary Swank, em Meninos Não Choram (1999) :: premiada como Melhor Atriz
Este filme conta a história real de Teena Brandon, que no início dos anos 1990 passou a viver como um garoto sob o nome de Brandon Teena, algo que lhe custou caro a partir do momento em que se envolveu com o grupo de John Lotter (Peter Sarsgaard). Isso porque foi quando conheceu e se apaixonou por Lana Tisdel (Chloë Sevigny). A identidade da personagem é um dos elementos mais interessantes do filme de Kimberly Peirce. Em determinada cena, um amigo chama Teena de lésbica, ao que ela imediatamente retruca dizendo que as coisas não são tão simples assim. Ela se vê como um garoto, e é dessa forma que devemos tratá-la ao longo do filme. Acima de tudo, este é um conto sobre autodescobrimento, aceitação e preconceito, contado de maneira bastante crua e envolvendo um personagem trágico, interpretado brilhantemente por Hilary Swank, em um exemplo de total entrega ao papel. Tanto que o Oscar de Melhor Atriz que levou por este trabalho não foi nenhum pouco injusto. – Por Thomas Boeira

 

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7. Felicity Huffman, em Transamerica (2005) :: indicada como Melhor Atriz
O melhor deste filme é nunca se posicionar como bandeira LGBT, o que poderia transformá-lo (com o perdão do trocadilho), na mente do público em geral, de passatempo ou produção artística relevante para algo de conteúdo político, chato mesmo. O road movie de Duncan Tucker foca na relação entre pai (mãe?) e filho, ou melhor, na dificuldade que um tem de aceitar o outro, independentemente da preferência sexual da protagonista. Troque-a por um pai heterossexual machão que não quer aceitar a própria paternidade: no frigir dos ovos, a despeito das pontuais questões da sexualidade que permeiam a narrativa, a questão é essa. Com isso, o trabalho de Felicity Huffman na pele de Bree é monstruoso. A atriz, mais conhecida por seu papel na série televisiva Desperate Housewives (2004), encarna a personagem sem os maneirismos ou afetações habituais que poderiam cair no clichê. Sua personagem é serena, às vezes cruel, ora engraçada, mas sempre elegante, introspectiva, passando no olhar todo o seu conflito interno: seja da cirurgia de mudança de sexo, seu foco, ou o filho recém descoberto, seu desvio de percurso. Genial, para dizer o mínimo. – Por Matheus Bonez

 

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8. Cate Blanchett, em Não Estou Lá (2007) :: indicada como Melhor Atriz Coadjuvante
Bob Dylan foi muitas coisas nesta vida. Voz de uma geração, mesmo detestando o rótulo, o artista teve sua fase folk, uma mais elétrica, a cínica e até uma religiosa. Fazer uma cinebiografia sobre um sujeito múltiplo como Dylan provou-se tarefa arriscada, mas bem executada por Todd Raynes. O cineasta utilizou-se desta verve metamórfica do músico para assinar um filme igualmente diverso. Para tanto, Raynes convidou vários atores para interpretar Dylan – e coube a uma mulher, Cate Blanchett, uma das fases mais interessantes do cantor. A atriz mergulha na poesia do artista e consegue ter a acidez e ar blasé que o músico nutria naquela época. Entrevistas repetitivas, encontros fortuitos com outros conhecidos artistas, sua obra sempre alvo de críticas e perguntas. Blanchett é o melhor Bob Dylan em uma produção com nomes como Christian Bale, Heath Ledger e Richard Gere. Depois de assistir a este filme, só resta aguardar ansiosamente pelo longa no qual Tilda Swinton fará David Bowie. Não seria ótimo? – Por Rodrigo de Oliveira

 

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9. Glenn Close, em Albert Nobbs (2011) :: indicada como Melhor Atriz
Assim como um transexual deseja externalizar sua personalidade, inadequada para o corpo no qual nasceu, um dos maiores triunfos para um ator é fazer com que sua figura desapareça para dar lugar a do seu personagem. Um processo difícil e complexo, que se torna ainda mais desafiador na medida em que o intérprete vira uma celebridade, com nome, rosto e personalidade bem conhecido por todos. Talvez por isso seja tão interessante observar a metamorfose, física e psicológica, a que Glenn Close se submete para construir seu Albert Nobbs, papel que lhe rendeu indicação ao Oscar de melhor atriz. Mais do que se travestir e se transformar num homem, Glenn trouxe ao seu olhar toda a angústia e a dor de uma personagem que tem de abrir mão de sua própria natureza para ter uma vida digna. Com gestos propositalmente contidos, meio quadrados, a voz grave e pesada e uma cara meio de homem, meio de menino, a “crísálida” que é a personagem explode nas mais belíssimas nuances na medida em que o filme revela sua trama. – Por Dimas Tadeu

 

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10. Jared Leto, em Clube de Compras Dallas (2013) :: premiado como Melhor Ator Coadjuvante
Jared Leto quase abandonou a carreira de ator depois de seus esforços em vão para dar vida e (muito) corpo a Mark David Chapman, o assassino de John Lennon, no irregular Capítulo 27 (2007). Mais reconhecido como vocalista da banda 30 Seconds to Mars, Leto ganhou na época 30 quilos para desaparecer sob sua interpretação, porém recebeu apenas uma menção honrosa no Festival de Zurique e algumas críticas negativas. Eis que, passados seis anos, uma nova transformação física finalmente o colocou entre as grandes performances do ano: seu transgênero Rayon lhe rendeu destaques em premiações como o Globo de Ouro, Screen Actors Guild Award e provavelmente lhe proporcionará seu primeiro Oscar neste domingo, dia 3 de março. Sob a direção do canadense Jean-Marc Vallée, o mesmo de C.R.A.Z.Y.: Loucos de Amor (2005), Jared Leto vai além de suas assustadoras mudanças físicas para compor uma persona tridimensional, passível de pena e compaixão, repleta de nuances. O ator aparece depois da meia hora inicial do filme e sai de cena antes do encerramento do mesmo, porém seu compromisso com o personagem e a carga emocional evidente em sua figura franzina conquista facilmente até mesmo o espectador mais exigente. – Por Conrado Heoli

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