Muitos antes de The Walking Dead tomar conta da audiência de seriados televisivos, os zumbis já enchiam de graça (ou medo) os lares e, especialmente, as salas de cinema. Por anos eles foram símbolo de sucesso nas telonas, especialmente a partir das produções do mestre George A. Romero, que deu uma nova cara para os mortos vivos acéfalos numa boa alusão à realidade não tão diferente das pessoas lobotomizadas pela sociedade na literatura de George Orwell e afins. Após um período de decadência de quase duas décadas, começando no final dos anos 1980, eles retornaram com força nos anos 200o nos mais variados tipos de filme, desde o horror mais natural até em tramas de (muito bom) humor negro. Com a estreia da comédia Como Sobreviver a um Ataque Zumbi nesta semana nas grandes salas, a equipe do Papo de Cinema se reuniu para eleger dez das melhores produções já estreladas por estes seres acéfalos, mas perigosos. Será que seu título favorito está por aqui? Confira!
A Noite dos Mortos-Vivos (1968)
O terror como representação de algo está fundamentado nas próprias origens do gênero, que traziam no Expressionismo Alemão a estética como forma de traduzir medos e sentimentos sombrios. George A. Romero então entrou para a história criando os zumbis como os conhecemos hoje. Antes, servos hipnotizados para realizar tarefas medonhas para os seus mestres, a partir de A Noite dos Mortos-Vivos zumbis tornam-se os comedores de carne acéfalos que gerações depois continuariam temendo e cultuando. Acontece que o simples conto de horror sobre um grupo de pessoas que fica preso em uma casa cercada pelos mortos-vivos serviu como uma luva para expressar o medo de toda uma população de tornar-se a última resistência pensante em um mundo dominado por uma lógica massificada e consumista, que queria acima de tudo trazer para o lado deles esses rebeldes restantes. Um pensamento que Romero viria a aperfeiçoar mais tarde em O Despertar dos Mortos (1978), que abandonaria as sutilezas ao se ambientar em um shopping center, e que seria levado ao grande público com uma maior complexidade na série The Walking Dead. – por Yuri Correa
O Despertar dos Mortos (Dawn of the Dead, 1978)
Em A Noite dos Mortos-Vivos (1968), George Romero já acenava que seus zumbis não eram apenas marionetes em um filme de terror. A analogia com as lutas de Martin Luther King pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos é, sim, bastante válida. No filme seguinte, O Despertar dos Mortos, que também é sobre a tomada de uma cidade pelos zumbis esfomeados, Romero vai olhar para a secularização do contemporâneo, isto é, as igrejas que são os shoppings centers que a modernidade tardia abraçou. No filme, os humanos se refugiam dentro de um shopping, enquanto os mortos-vivos desfilam “suas impotências”, andando de um lado a outro irracionalmente, entrando em lojas e buscando coisas que nem sabem o que são, precisamente porque não pensam, agem por instinto, um instinto primitivo. Como um comentário político afiado, o filme coloca essa presença-ausente das sociedades apegadas aos símbolos e as imagens de si. E mais ainda, essa herança crítica que Romero tão sutilmente coloca em suas obras, que aparece conjugada com uma aventura regada a muito sangue e explosões cerebrais, é coisa de quem sabe coordenar as forças narrativas primordiais: a forma e o conteúdo. por Pedro Henrique Gomes
Dia dos Mortos (Day of the Dead, 1985)
Não tem como falar em filmes de zumbis sem citar uma obra do mestre do gênero, George A. Romero. Uma de suas principais produções (e, talvez, a mais subestimada) é Dia dos Mortos (1985), que compõe o terceiro capítulo de uma trilogia iniciada com A Noite dos Mortos Vivos (1968) e seguida por O Despertar dos Mortos (1978). Reunindo elementos dos clichês dos filmes do gênero (cidades sitiadas, pequenos grupos em fuga, zumbis em massa) com uma dose de Frankenstein, Romero construiu uma narrativa que, em época de Guerra Fria, tratava do abuso de poder bélico e, principalmente, da raça humana como responsável pela tragédia, absolvendo ao máximo os mortos vivos, inclusive tratando um deles, Bub, como uma alma sensível (isto que o “rapaz” é um experimento de um cientista). Em 2008, o longa ganhou um remake fraquinho, mas que diverte. Porém, como é de costume, o original é muito melhor e merece uma nova chance para quem é fã do gênero. – por Matheus Bonez
Extermínio (28 Days Later, 2002)
Zumbis estavam em baixa desde Dia dos Mortos (1985), que encerrou a trilogia dos mortos-vivos de George A. Romero iniciada em 1968, quando Danny Boyle filmou o já clássico Extermínio. Verossímil e com atualização conceitual do monstro, o longa é apavorante. Defensores dos animais invadem um laboratório e acabam liberando uma perigosa cepa do vírus da raiva. Em 28 dias, Londres é tomada por uma epidemia que transforma os infectados em canibais assassinos. Há uma mudança de paradigma importante. Se com Romero os zumbis assumiam um arquétipo crítico relativo tanto às questões racistas e de direitos civis quanto ao perfil consumista norte-americano entre as décadas de 1960 e 1980, com Extermínio o medo remete à queda do Estado e ao advento de uma era de caos social, em que emergem os instintos humanos mais selvagens. O apocalipse refere-se não apenas à figura do zumbi, mas também a um futuro repleto de privações. Além disso, Extermínio dá aos monstros uma agilidade mortal, diferente do rigor mortis que vemos na obra de Romero. O início de Extermínio, em que um homem acorda em um hospital abandonado, também serviu de inspiração para o celebrado The Walking Dead, lançado em quadrinhos por Robert Kirkman em 2003 e vertido posteriormente para a TV. – por Danilo Fantinel
Madrugada dos Mortos (Dawn of the Dead, 2004)
Remake do filme homônimo de 1978 (dirigido por George A. Romero), retrata um grupo de pessoas isoladas num shopping cercado de mortos-vivos por todos os lados. Zack Snyder, hoje um dos garotos de ouro de Hollywood, era então um diretor que, como todo estreante em longas-metragens, ainda precisava mostrar serviço. A boa recepção, tanto do público quanto da crítica, à ousadia de refilmar um dos clássicos do gênero abriu caminho para os projetos seguintes, que sedimentaram seu nome na indústria. O filme possui ritmo vibrante e não poupa na violência. Por onde os zumbis passam fica um rastro de sangue e pavor. O shopping é um bunker aparentemente à prova das criaturas que se deslocam esfomeadas. Não importam muito as causas (como surgiu e se espalhou a praga?), já que a prioridade é mostrar a urgência de sobreviver. Conduzindo a trama, personagens bastante distintos que, além de lutarem contra o perigo dos zumbis, precisam conviver com as idiossincrasias alheias. A câmera de Snyder é nervosa, contudo menos maneirista do que a vista em seus trabalhos mais recentes. Aqui, o diretor criou um filme inteligente, bem filmado, cujas soluções mais importantes se dão mesmo no âmbito da imagem. – por Marcelo Müller
Todo Mundo Quase Morto (Shaun of the Dead, 2004)
Os filmes de zumbis se recusam bravamente a morrer. Revisitado à exaustão, geralmente a partir de abordagens equivocadas, o subgênero vez ou outra é apresentado com originalidade. Um dos melhores exemplos é, certamente, Todo Mundo Quase Morto. Irretocável como os melhores esforços de George A. Romero, o filme é conduzido a partir de uma afiada observação da realidade, sagaz em substituir aos poucos o trivial universo que cerca os personagens por um verdadeiro pandemônio. Edgar Wright, Simon Pegg e Nick Frost já deram outras provas de sua genialidade criativa na britcom Spaced (1999-2001) e no longa Chumbo Grosso (2007), porém, Todo Mundo Quase Morto ainda garante a sensação rara de filmes que se tornam mais interessantes a cada revisita. Desenvolvido cuidadosamente pelas mãos hábeis de Wright, que se valeu de uma paleta de cores sóbrias ferida constantemente pelo vermelho, a experiência com a obra revela uma comédia assustadora ou um terror hilário; é uma questão de perspectiva. – por Conrado Heoli
REC (2007)
A repórter Ángela Vidal (Manuela Velasco) e seu parceiro cinegrafista Pablo (Pablo Rosso) estão em um dia de trabalho comum, fazendo uma reportagem especial no corpo de bombeiros, quando estes recebem um chamado de emergência, colocando-os em direção a um prédio onde uma senhora está presa em um dos apartamentos. Mas o que era um pedido de socorro acaba se tornando o início do terror tanto para os bombeiros e os policiais quanto para Ángela e Pablo, que documentam com a câmera uma evolução agressiva dos moradores do prédio, que passam a atacar todos que estão no local. Usando o formato found footage não só para dar uma sensação de realismo para as imagens, mas também para criar um ambiente claustrofóbico, REC é um terror com uma construção narrativa muito eficiente, conseguindo manter uma tensão incessante ao longo de quase toda sua duração, deixando o espectador instigado com relação ao destino de seus personagens e a origem do caos visto ali, além de inserir seus sustos com naturalidade (poucas vezes alguém caindo no vão de uma escada foi tão assustador e inesperado). O sucesso do filme deu início a uma franquia que já está em seu quarto exemplar, sem falar no remake americano Quarentena e sua continuação, que não alcançaram a mesma popularidade. – por Thomás Boeira
Zumbilândia (Zombieland, 2009)
Apesar de inicialmente estarem ligados a um subgênero do cinema de terror, o potencial cômico dos zumbis chegou a ser explorado por diversas produções ao longo dos anos, muitas vezes com ótimos resultados. Um bom exemplo é este primeiro trabalho do diretor Ruben Fleischer, bastante inspirado pelo sucesso de Todo Mundo Quase Morto (2004). A trama acompanha Columbus (Jesse Eisenberg), um jovem tímido que, em meio ao apocalipse zumbi, busca voltar a Ohio para saber se seus pais ainda estão vivos. No caminho, Columbus se junta a outros três personagens: Tallahassee (Woody Harrelson), que tem como único objetivo exterminar todos os zumbis possíveis, e as irmãs Wichita (Emma Stone) e Little Rock (Abigail Breslin), que tentam chegar a um parque de diversões em Los Angeles, onde dizem não haver mais a ameaça dos mortos-vivos. Com excelente timing cômico e uma boa dinâmica entre os quatro protagonistas, Fleischer realiza um trabalho ágil, de linguagem pop (a narração em off explicando as 30 regras de sobrevivência de Columbus, as cenas da “Morte Zumbi da Semana”), que conseguiu agradar público e crítica. Um entretenimento de qualidade e repleto de referências cinéfilas, como a hilária e antológica participação especial do mito Bill Murray. – por Leonardo Ribeiro
Porto dos Mortos (2012)
Porto dos Mortos foi uma feliz surpresa vinda dos pampas gaúchos. A filmografia zumbi no Brasil não é lá muito extensa e a tentativa de se criar uma trama que envolva mortos-vivos, com as restrições orçamentárias conhecidas de nossa produção tupiniquim, mostra coragem e criatividade vinda dos realizadores. Um grande acerto foi trabalhar a trama do longa-metragem de forma que os zumbis não fossem os protagonistas, ou seja, que não demandasse a presença constante dos comedores de miolos em cada cena. O que é importante no filme dirigido por Davi de Oliveira Pinheiro é o cenário apocalíptico e como os humanos se comportam nesta nova condição. Medo, ódio, violência e paranoia brotam, inegavelmente. Ainda que não apareçam sempre, quando surgem, os zumbis cumprem seu papel, demonstrando um grande esmero de produção. Vencedor de diversos prêmios ao redor do mundo, Porto dos Mortos também se valeu, na época do lançamento, de uma estratégia inteligente para chegar ao seu público, sendo exibido simultaneamente nos cinemas e na internet. Com isso, mais pessoas puderam ter contato com um longa-metragem com inegáveis qualidades, feito por fãs e para fãs do cinema fantástico. – por Rodrigo de Oliveira
Guerra Mundial Z (World War Z, 2013)
Com o mundo prestes a acabar, um homem se levantará diante os demais e irá lutar, ainda que sozinho, pela sobrevivência da humanidade. Essa anúncio pode ser encarado como o ápice do clichê hollywoodiano, porém quando encarado com seriedade e competência, ainda mais inserido num contexto tão inacreditável quanto absurdo, o resultado pode ser surpreendentemente interessante. Principalmente se o herói em questão for vivido por ninguém menos do que Brad Pitt, um dos astros mais populares do planeta. Sua presença – não apenas em frente às câmeras, mas também como produtor – foi determinante para elevar esse subgênero a um novo patamar, próximo ao mainstream ao qual o ator está habituado, porém encarado com um nível de profissionalismo impressionante. A fórmula não chega a surpreender, mas alguns diferenciais pontuais – como os zumbis altamente velozes, com uma crescente sensação de perigo a todo instante, além do aspecto global da calamidade – funcionam à perfeição para o sucesso do projeto, que não só se consagrou como o de maior bilheteria de todos os tempos dentro desta temática, como também da carreira do protagonista, com mais de US$ 540 milhões arrecadados em todo o mundo. E preparem-se, porque a continuação já foi confirmada para 2017! – por Robledo Milani
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