21ª MOSTRA DE TIRADENTES (19 e 27 de janeiro) – Júri da Crítica
O cenário é um prédio semiacabado, esqueleto posto em pé, provavelmente, pela sanha imobiliária, mas que assim, incompleto, acaba sendo refúgio e ganhando uma valia. O espigão abriga prioritariamente corpos negros vitimados pela miserabilidade, indício bastante claro da vontade do cineasta Rafael Simões de discutir aspectos profundos da sociedade brasileira num curta-metragem de pouco menos de meia hora de duração. A rigidez dos enquadramentos demonstra a melancolia das pessoas emolduradas por paredes sem reboco e/ou carcomidas pela ação do tempo. Todavia, o aspecto sobressalente em Calma é o sonoro. Do ponto de vista simbólico, são os barulhos e ruídos que asseveram o caos no qual aquela população marginalizada está envolta, melhor dizendo, ao qual foi reduzida por uma dinâmica sedimentada a partir dos privilégios de alguns. O texto é rarefeito, especialmente porque os demais elementos da construção narrativa se encarregam de puxar certos gatilhos imprescindíveis. No que concerne à técnica, pura e simplesmente, o som realmente desempenha um papel preponderante, pois muitos dos significantes são entregues por meio da conjuntura audível, dos estampidos, gemidos, gritos de socorro ou sirenes policiais. Calma é um filme que consegue a proeza de debater muitos vieses, trazendo à baila ainda a questão da propriedade, sem necessariamente hastear uma bandeira ou vociferar abertamente. A indignação, o medo, a coragem que advém da necessidade, tudo está ali, impresso no rosto dos personagens, escapulindo das poucas palavras proferidas, sintoma de engenho cinematográfico que prescinde das explicações em função da sensibilidade do espectador.