FESTIVAL DE SANTA CRUZ (23 a 26 de outubro) – Júri oficial
Primeiro, há o registro parcimonioso do cotidiano, das pequenas liturgias diárias do casal vivido por Camilla Amado e Tonico Pereira. Sobressai a fotografia em preto e branco, a sensibilidade de deter-se em gestos e atitudes aparentemente banais. Há, então, uma quebra nesse fluxo natural e pretensamente imperturbável. Novo ritual, agora o fúnebre, não marcado por lamúrias, choramingos ou algo que os valha. O sentir é silencioso, calado, está contido no semblante do cônjuge que entende o quão desnecessário é externar sua amargura, uma vez que é preciso seguir em frente, inclusive, a fim de cumprir determinados protocolos. O mais bonito de O Vestido de Myriam é que esse amor interrompido pela morte, provavelmente antigo como as paredes carcomidas do casebre onde a dupla mora, é entendido como algo praticamente intrínseco a ambas a partes. A partida de um faz do outro refém da solidão, instaura nos cômodos uma impressão opressora de falta. Todo esse manancial de sensações está imprensa nos meneios dos atores, na candura da personagem de Camilla Amado ao dar de ombros para o mau humor do marido, na contenção das emoções visível no sujeito vivido por Tonico Pereira. Num movimento inusitado, o sobrevivente começa a experimentar-se outro, a viver seu luto como que se colocando nos lugares alheios. É um curta-metragem muito bonito, que exala um desejo de entender os detalhes de um amor belo e unificador.
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