23º CINE PE (31 de maio a 5 de junho) – Júri oficial
Vidas Cinzas, de Leonardo Martinelli, é um falso documentário que dá conta do insólito numa das capitais mais solares do mundo, o Rio de Janeiro. Por conta de uma medida governamental de austeridade, as cores da cidade foram confiscadas. Recorrendo a “depoimentos” de várias personalidades dos mundos artístico, jornalístico e político, o realizador faz uma brincadeira ferina, embora não haja definição peremptória no que tange às bases ideológicas da restrição, vide o fato de figuras de lados politicamente díspares, tais como Flavio Bolsonaro e Marcelo Freixo, advogarem pela mesma causa na ficção. A abundância de cores significa diversidade no plano simbólico. Portanto, uma metrópole esmaecida quase totalmente é espaço avesso à multiplicidade, gatilho utilizado circunstancialmente como posicionamento frontal. O olhar estrangeiro, acessado pela reportagem francesa, emula um distanciamento aparentemente neutralizador. A conjuntura inusitada é o grande trunfo do curta-metragem, aquilo que lhe permite deflagrar, mesmo timidamente, esferas possíveis de discussão. O cruzamento da indignação do povo com a truculência da Polícia Militar fornece o dado de realidade que perpassa a trama, ampliando a sensação de que a invenção do roteiro fica apenas por conta da extirpação das cores, pois boa parte das questões postas, como o autoritarismo estatal, instrumentalizado obscuramente em prol do suposto bem comum, projetam demandas e arbitrariedades diferentes das cotidianas apenas por sua origem.