Já me acostumei a ser apresentada assim: “Esta é minha amiga jornalista que entrevistou o George Clooney”. Confesso, não me importo nem um pouco com o título. Afinal a profissão me dá o privilégio de conhecer muita gente bacana. Eu me sinto como uma vampirinha, me alimento de e aprendo com a experiência dos entrevistados.
A primeira vez que conversei com GC foi durante o lançamento do filme Solaris. Ele vestia jeans escuro e uma camiseta de malha preta, simplinho assim. Despretensioso. Sentou-se à mesa cercado de jornalistas estrangeiros, apoiou os cotovelos nas pernas, e falou. Lembro que ele mexia a cabeça acompanhando o ritmo das frases, como um italiano faria com as mãos. Como dizem nos esteites, o cara é “easy on the eyes”. E é daqueles que têm prazer de falar sobre seu ofício.
Fui logo perguntando sobre o que eu achava ser puro folclore: ele tinha mesmo um porco de estimação? Tinha. Max era da raça vietnaminta pot-bellied e pesava mais de cem quilos. “Se comparar com outros porcos, Max tem um porte atlético, é charmoso, mas ainda é um porco. Acorda de manhã e fica grunhindo”, ele contou. Max viveu na mansão em Los Angeles durante 18 anos – o que foi descrito pela imprensa como o relacionamento mais duradouro de GC.
Solaris é um filme do tipo “cabeça”, uma versão de um clássico do cinema russo, e retrata bem o estilo da parceria firmada entre o ator e o diretor Steven Soderbergh. “A única maneira de fazer filmes desse tipo é ganhando quase nada de dinheiro. Só assim um estúdio toparia. Depois você faz um Onze Homens e Um Segredo para compensar”, explicou Clooney.
Através da Section Eight Productions, Clooney e Soderbergh filmaram roteiros mais elaborados e com conteúdo político, como Confissões de Uma Mente Perigosa, Boa Noite e Boa Sorte, e Syriana. Os dois últimos renderam a GC três indicações ao Oscar em 2006; ele ficou com o de Ator Coadjuvante por Syriana, um thriller político sobre a indústria do petróleo – incrivelmente relevante em tempos de guerra no Iraque.
E assim George Clooney virou sinônimo de credibilidade em Hollywood. “No momento em que Clooney assumiu o projeto tivemos a certeza de que faríamos o filme que queríamos fazer”, disse o diretor Tony Gilroy. Ele comentava a importância da “marca Clooney” em Michael Clayton, que no Brasil recebeu o título de Conduta de Risco. Clooney foi o produtor executivo e um dos protagonistas. O filme foi lançado no Festival de Cinema de Toronto, no Canadá, em 2007. E eu estava lá, faceira – pronta para abordar GC mais uma vez…
Chegamos atrasados na premiére, quando ele começava a atravessar o tapete vermelho, todo garboso de camisa e terno pretos. Encontrei uma brecha no espaço reservado para a imprensa e apontei o microfone em sua direção. Gentleman que é, Clooney percebeu meu afobamento e parou para conversar. Brevemente, pois eu estava na posição errada, entre os fotógrafos e não entre as equipes de TV como deveria. Mas ele parou. Elogiou o roteiro e comentou o quão difícil era encontrar um assim, inteligente. Eu aproveitei e elogiei sua boa forma – ele estava mesmo radiante! “É, me sinto realmente bem. Bom te ver”, respondeu. E lá se foi George Clooney enfrentar o batalhão de jornalistas.
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“George Clooney está pronto para você.” Tá aí uma frase que a gente não escuta todo o dia. Era a assessora de imprensa avisando que chegara a minha vez. Nas maratonas de promoção dos filmes, as chamadas junkets, os estúdios de cinema reservam andares inteiros de hotéis e lá instalam suas salas de entrevista. Em alguns quartos montam mini estúdios de TV onde ficam os atores, diretores e produtores esperando pelos jornalistas, que se revezam.
Era o lançamento de O Amor Não Tem Regras, uma comédia romântica que ele dirigiu – enquanto também atuava. A arte da direção,
Quem começou a carreira com um filme de terror B não pode reclamar de falta de diversidade. Nos últimos anos ele fez comédia (a ótima Queime Depois de Ler), dramas como Amor sem Escalas (que, ao contrário do que o título sugere, não é exatamente um romance mas uma crônica sobre a crise do desemprego nos EUA) e o thriller Um Homem Misterioso. Mas foi um drama político que o levou de volta ao circuito dos festivais de cinema esse ano: Tudo pelo Poder, sobre os bastidores de uma campanha à presidência dos Estados Unidos, foi escrito, dirigido e protagonizado por Clooney.
Essa preocupação, a de não ficar atrelado a temas urgentes e politizados, é reservada apenas para as telas. Na “vida real” George Clooney é o que a revista Newsweek define como um “estadista do século XXI”, um ativista que usa a fama como ferramenta para a diplomacia.
Sua causa é o genocídio em Darfur e a crise humanitária no Sudão. Ele chegou a investir num satélite para monitorar o movimento das tropas entre o norte mulçumano e o sul cristão, e fundou a ong Sudan Now para cobrar ações enérgicas da ONU e sugerir caminhos para a paz.
É Clooney quem brifa o Senado norte-americano e o Conselho de Segurança da ONU em questões sudanesas. Já fez inúmeras viagens à região (“Gostaria que os paparazzi me seguissem até lá”, disse à imprensa americana) e numa delas contraiu malária. Como faria com um personagem – não poupando esforços para mostrar a que veio.
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“Eu olho para trás e tenho, sim, arrependimentos”, George Clooney filosofou naquela minha primeira entrevista com ele. Em Solaris ele
O arrependimento de Clooney pode ser Batman & Robin. Ou, pelo menos, o close up em seu bumbum, naquele uniforme justinho de super-herói. Mas talvez não seja, porque a cena lhe serve como material de piada até hoje.
“Há coisas que eu gostaria de mudar. No entanto, nunca estive tão saudável e tão feliz como agora”, ele avalia, como que pensando alto. “Todos aqueles equívocos, de alguma maneira, podem ter me trazido até onde estou. Se eu voltasse no tempo, talvez o rumo fosse diferente – e então eu não estaria aqui. Acho melhor não mexer nisso…”
Nós também, George. Nós também.