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Uma História de Amor e Fúria desconstrói a história brasileira em trama épica

Publicado por
Dimas Tadeu

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Embora muito usado para definir “filmes de época” ou “filmes grandiosos”, em seu significado original a palavra “épico”, quando aplicada a uma obra de ficção, caracteriza um gênero que se define por representar o enfrentamento entre o individual e o coletivo, ou seja, uma pessoa e o Estado, uma pessoa e uma instituição, um herói e um planeta. Ante esta perspectiva, Uma História de Amor e Fúria, que tem se vendido como a primeira animação adulta do cinema brasileiro, é sem dúvida um épico. E o mais interessante: para além da definição clássica, inclui todas as outras acepções que a palavra adquiriu ao longo do tempo.

O longa acompanha a saga (literalmente) de um homem, dublado por Selton Mello. Ao longo de diversas vidas (que começam numa aldeia tupinambá, na época da chegada dos portugueses ao Brasil), ele reencontrará Janaína (Camila Pitanga), sua amada, enquanto luta contra uma entidade opressora, sejam colonizadores, o império, a ditadura ou um estado totalitário futurista. Dirigido por Luiz Bolognesi, em sua estreia no longa-metragem, o filme é, sem dúvida, um marco na história do cinema nacional.

Em primeiro lugar por se tratar de uma animação adulta de qualidade. Dada a ambição do roteiro e sua proposta épica, é um alívio e uma satisfação ver que, no fim, tudo faz sentido e a mensagem foi passada. O cuidado histórico (que contou com pesquisa acadêmica, inclusive) e da brilhante direção de arte de Anna Caiado também chamam atenção e, por si só, valeriam o ingresso. Só pra se ter uma ideia do apuro nesse sentido, originalmente os diálogos entre indígenas foram gravados em tupinambá, sendo depois redublados em português, já que o diretor considerou que a primeira escolha não favorecia o filme. Mas é esse tipo de precisão que se pode esperar do filme como um todo.

A animação, em si, ou seja, a movimentação dos personagens, parece ser o único ponto de incômodo do filme. Em uma época de animações computadorizadas ou rotoscópicas, ver alguns movimentos “truncados” na tela soa um pouco artificial demais, às vezes até amador. Nada, porém, que prejudique a fruição do filme ou da história. Especialmente porque o traço (similar ao dos animes japoneses) e os fundos são muito bem trabalhados. É possível notar, por exemplo, que as quatro histórias possuem, cada uma, uma paleta bem demarcada de cores. É algo que lembra bastante os painéis da obra abstrata As Quatro Estações, de Thomie Ohtake, exposta na Estação Consolação do Metrô de São Paulo. E cada “estação” também pode ser percebida no tom da história, desde o verdejante verão do “descobrimento” até o gélido inverno de um futuro incerto.

Outro ponto alto do filme é sua poesia. O roteiro conta com frases marcantes e passagens que, por sua ousadia, beiram à polêmica e devem incomodar quem defende uma visão oficialista da História, com letra maiúscula. Essa “rebeldia”, por assim dizer, faz lembrar muito o recente A Viagem (2012), subestimado filme dos Irmãos Wachowski em parceria com Tom Tykwer. Tanto lá quanto aqui, a questão parece ser, mais do que contar uma história (ou, no caso, História), mostrar o quanto o espectador pode se tornar agente de mudança dentro dela. E em ambos os casos, o objetivo se cumpre, sem deixar de divertir e impressionar. A aproximação com a filosofia espírita também é um ponto comum em ambos, embora apenas inferido. Intolerância (1916), o clássico de D.W. Griffith, épico por excelência, também pode ser comparado à animação.

Além de Selton Mello e Camila Pitanga, o elenco ainda traz Rodrigo Santoro, numa participação menor. Mas tanto pelo fato de ser uma animação como pela grandiosidade da trama, não se trata de um filme de atores: é na mensagem que quer transmitir que o diretor joga toda a atenção, o tempo todo.

Detalhes como o fato de que no futuro “pós-apocalíptico” o presidente do Brasil seja um pastor ou que o patrono do nosso exército (Duque de Caxias) tenha sido elevado a tal título depois de exterminar revoltas que, em sua essência, defendiam nosso país e nosso povo no que eles têm de mais legítimo são apenas temperos para uma trama que se desenrola como um rolo compressor sobre verdades antigas e empoeiradas.

Mérito de Bolognesi e sua equipe que, a despeito do que se poderia esperar, trouxeram à vida uma História que pouca gente seria capaz de (re)contar numa animação. Um verdadeiro épico.

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é jornalista, mestre em Estética, Redes e Tecnocultura e otaku de cinema. Deu um jeito de levar o audiovisual para a Comunicação Interna, sua ocupação principal, e se diverte enquanto apresenta a linguagem das telonas para o mundo corporativo. Adora tudo quanto é tipo de filme, mas nem todo tipo de diretor.

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