Crítica
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Sinopse
Dois amigos têm o costume de competir entre si. Eles decidem abraçar o desafio de se desfazer de todas as suas coisas e receber apenas uma de volta por dia. Durante a provação, percebem o valor da amizade.
Crítica
Apesar de ser uma tradução literal do título original em alemão, 100 Coisas adquire uma leitura especial em português – e que funciona ainda melhor no contexto do filme escrito, dirigido e estrelado por Florian David Fitz. Afinal, se essa é uma história de desapego em meio a um mundo cada vez mais consumista e descartável, é de se ressaltar que a trama segue o princípio de que “do nada viemos e ao nada retornaremos”, ou seja, tudo começa a partir do zero. Assim, sem coisa alguma para chamar de sua, os protagonistas de uma inusitada combinação precisam descobrir como sobreviver desprovidos de todas as facilidades de uma realidade tão dependente quanto a ocidental. O que poderia ser um desafio curioso se torna uma fábula moral pertinente aos dias de hoje, e está nesse subtexto o que de fato consegue salvar o longa de uma indesejável frivolidade.
Paul (Fitz, de Inseparáveis, 2013) e Toni (Matthias Schweighöfer, de Exército de Ladrões: Invasão da Europa, 2021) são melhores amigos, apesar de um ser o oposto do outro. A sequência de abertura se encarrega de enfatizar essas diferenças. Apesar de acordarem no mesmo horário, enquanto o segundo se ocupa com afazeres matinais que o preparam para mais um dia – banho, café da manhã, escolher a melhor roupa, trato na pele, cabelo e dentes – o primeiro prefere ficar se enrolando na cama, perdendo tempo com bobagens na internet ou mesmo apenas se masturbando. A questão é que não apenas moram no mesmo prédio – são vizinhos, portanto – como também colegas de serviço. Criados juntos, se tornaram sócios de uma empresa de iniciativa digital. Ambos são vistos, nesse primeiro instante, como estereótipos: o moreno desorganizado, o loiro comprometido, o gênio caótico, o empresário certinho. Aos poucos, porém, essas certezas vão se desfazendo.
Esse processo de mudança começa a partir de uma aposta. Após participarem de uma apresentação de novas ideias para possíveis investidores, um app desenvolvido por eles não só é aceito, como a proposta que recebem é milionária. O conceito por trás da nova ferramenta não é fazer do mundo um lugar melhor nem ajudar pessoas em dificuldade, mas, sim, potencializar a tendência de cada indivíduo em adquirir cada vez mais, aproximando-se do supérfluo sem ressalvas. Para uma grande empresa que busca movimentar suas vendas, um mecanismo como esse tem peso de ouro. Mas o quanto esse recurso irá afetar aqueles que por ele acabarão envolvidos? Decididos a testarem sua invenção na própria pele, acertam entre si abrirem mão de tudo o que possuem pelo período de 100 dias, podendo agregar como posse apenas uma nova coisa a cada manhã. Aquele que desistir primeiro, perde, e suas ações – agora de imenso valor – serão divididas entre os demais empregados.
O espectador mais atento irá perceber que falta algo a essa equação. Afinal, 100 Coisas se apresenta como uma comédia dramática voltada a um público amplo, e esse sucesso não seria alcançado apenas com dois homens como protagonistas compartilhando nada mais do que apenas uma forte amizade. É nesse ponto que se introduz Lucy (Miriam Stein, de Os Filhos da Guerra, 2013), vista tanto como causa, como consequência do que se está discutindo. Ainda que um breve triângulo amoroso ameace se desenhar, eis aqui mais um exemplo de como a narrativa elaborada por David Fitz, apesar de constantemente se aproximar do clichê, é também hábil em driblá-lo, propondo outras possibilidades a partir das experiências transcorridas entre os personagens. Até a relação de um deles com a avó, vista no começo como não mais do que alívio cômico, irá permitir uma reflexão a respeito do quanto se precisa, enfim, para alcançar a felicidade.
Por mais que não consiga sustentar o argumento inicial por muito tempo – se os observadores do combinado fossem mais rígidos, ambos teriam falhado naquilo que se propuseram em poucos dias – 100 Coisas consegue manter o interesse do espectador muito em parte pela lógica de bromance estabelecida entre David Fitz e Schweighöfer, ambos nomes populares na Alemanha, aqui em um raro projeto que obteve maior alcance internacional. E se o final, que abusa da utopia e do desprendimento, se esforça em promover uma mensagem de “paz e amor” aos moldes hippies de fraca ressonância entre o público atual – e a reação dos funcionários é suficiente para mostrar o quanto o realizador está ciente do risco dessa investida – ao menos a brincadeira até esse ponto é intrigante o suficiente para sair de lugares-comuns pré-determinados e ousar por caminhos, se não inovadores, ao menos não são, de fato, os mais esperados. E esse desvio é o que valida o conjunto para além do consumo desenfreado e irrelevante a que muitas vezes esse tipo de comédia acaba se destinando.
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