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Crítica


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Sinopse

Lois tem 16 anos e um grande sonho: tornar-se astronauta. No entanto, embora seja talentosa em física, a adolescente pesa mais de 90 kilos, uma característica que vem de família. Então, quando tudo parece perdido, conhece três adolescentes que também enfrentam a dura realidade da vida, porém dispostas a enfrentar o espaço junto com ela.

Crítica

Os personagens desta comédia dramática são apresentados fora de sua rotina comum, em um momento muito específico de crise. Loïs (Laure Duchêne) quer tanto se tornar astronauta que atravessa uma greve de fome pessoal para perder o sobrepeso e se candidatar a um concurso. Nos primeiros minutos de filmes, ela desmaia com frequência e quase morre. As quatro personagens principais, que se encontram num quarto de hospital, são definidas por uma ou duas características centrais ligadas às suas doenças e/ou condições: Loïs é obesa e obcecada em ir ao espaço, Amélie (Angèle Metzger) é bulímica, Stannah (Pauline Serieys) está presa a uma cadeira de rodas, e Justine (Zoé de Tarlé) sofre de eletrossensibilidade – ela não pode ficar perto de celulares, micro-ondas ou torres de telefonia, por exemplo. É sintomático que cada uma seja reduzida a um problema, visto que o objetivo desta aventura será promover a autossuperação.

100 Quilos de Estrelas (2019) se insere na linhagem de A Culpa É das Estrelas (2014), outro drama que confrontava adolescentes à morte precoce, vislumbrando na possibilidade de uma fuga (literal ou simbólica) uma espécie de parêntese poético às vidas presas em hospitais. Dezenas de filmes semelhantes se seguiram à adaptação literária. Agora, o projeto francês reflete o sucesso e a limitação desta fórmula. Todos os traços principais estão lá: o susto com a crise possivelmente mortal de uma ou outra amiga, a fuga em modo road movie, os laços que se estreitam na dificuldade, o encontro de romances amores passageiros no caminho. Mesmo a obrigatória cena dos protagonistas deitados sobre um gramado, de mãos dadas, olhando para o céu, está presente. Rumo à conclusão, algumas catarses pouco verossímeis, porém de grande apelo emocional, são introduzidas para conquistar o espectador pelas lágrimas e sorrisos, ou seja, pela trajetória de identificação.

Deste modo, encontramo-nos diante de um cinema de reconforto – ele não propõe desafios, nem surpresas dignas de nota. A diretora Marie-Sophie Chambon contenta-se em oferecer ao espectador exatamente aquilo que busca, incluindo as narrações poéticas em off na abertura e na conclusão, algumas metáforas simples, porém eficazes, do universo para representar a solidão da protagonista – ela se sente tão gorda quanto Júpiter, o maior dos planetas do Sistema Solar – e relacionamentos carinhosos com pais e coadjuvantes. É claro que o Sol desta narrativa é Loïs: todas as ações giram em torno dela, e os demais personagens possuem poucos conflitos que não consistam em ajudá-la ou se opor a ela. Curiosamente, para um filme sobre uma amante da ciência, a garota não estuda muito, nem lê, e seu projeto concorrente à feira de ciências aparece pronto, desde a primeira cena. A jovem se interessa por física e matemática, mas o filme, não muito. Por isso, limita a paixão de sua protagonista ao óbvio: pôsteres de astronautas colados nas paredes e um moletom com desenho de foguete.

Os quesitos técnicos e criativos apostam numa cartilha básica do cinema acadêmico, apostando em planos e contraplanos, trilha sonora indie-pop na transição entre cenas e alternando rigidamente os momentos de descontração entre as amigas com os instantes tristes, quando competem para ver quem sofre mais. Este cinema agridoce também constitui um cinema de curto-circuito de sensações, convidando o espectador a uma montanha-russa emocional desprovida de qualquer forma de reflexão. A imagem negativa construída sobre o corpo obeso de Loïs, ou magro demais de Amélie, torna-se uma questão de aceitação individual, e não de um contexto social preciso. A pressão específica sobre mulheres, especialmente as gordas, apaixonadas por ciências e tímidas, torna-se um caso específico de Loïs, não o fruto do imaginário coletivo. Até por isso, a leve revolta das meninas consiste numa rebeldia infantilóide – a imobilidade diante da porta, o roubo da ambulância -, pois nem as meninas, nem o filme sabem muito bem contra o que lutar. Temos um grupo de rebeldes sem adversário preciso.

Por esta razão, Cem Quilos de Estrelas resulta limitado enquanto processo de autonomia feminina. Loïs é encorajada menos a se impor socialmente, diante dos homens, dos adultos e do ideal de magreza, do que a continuar tentando, até que um dia as coisas deem certo. A valorização da persistência dentro de um sistema falho corresponde ao conformismo: o mundo não vai mudar mesmo, mas quem sabe um dia você chega lá? As atrizes podem desempenhar relativamente bem os seus papéis (com destaque para Angèle Metzger), e de fato há momentos de ternura muito bem-vindos aqui e acolá. Pode-se argumentar que este seria um filme sobre sororidade, mesmo que Loïs, em si, não ofereça gestos amigáveis em direção às amigas, assim como elas o fazem. Talvez o afeto, em si, constitua um gesto político – felizmente, a garota gorda não será obrigada a emagrecer para encontrar a felicidade dentro deste contexto. O filme foge ao moralismo que reinaria no cinema de vinte anos atrás, o que constitui um avanço. Agora, falta superar o pré-conceito ilusório de que inserção social equivale a uma questão de força de vontade. Chegaremos lá.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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Grade crítica

CríticoNota
Bruno Carmelo
5
Alysson Oliveira
6
MÉDIA
5.5

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