Crítica
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“A responsabilidade não se divide”, afirma, em determinado momento, um dos personagens principais de 120 Batimentos por Minuto. Ele está se referindo ao processo de contaminação da AIDS, pois, segundo sua lógica, em uma relação sexual desprotegida, tanto o que transmite o vírus quanto o que não se cuidou e, por isso, acabou infectado, precisam assumir suas atitudes, sem julgar qualquer parcela de culpa sobre o outro, tendo sido este mal-intencionado ou apenas insensato. Este lema, curiosamente, está espalhado por toda a narrativa do longa de Robin Campillo, porém de formas antagônicas, tanto para comprová-lo como, também, para contradizê-lo. O foco, obviamente, vai muito além do sexo em si – está nas vidas, nas lutas, nas conquistas e nas expectativas de cada um destes desgarrados combatentes que, juntos, compõem um dos mais fortes e poderosos libelos de denúncia contra uma doença que segue ainda hoje avassaladora.
Estamos nos bastidores, prestes a um ato de protesto que tem tudo para dar errado, mas que, de um jeito ou de outro, acaba deixando sua marca e surtindo algum tipo de efeito. Estes são os militantes do Act Up Paris, um grupo de ativistas que busca conscientizar a respeito do vírus, da doença e de suas condições, exigindo posições mais fortes tanto do governo quanto da indústria farmacêutica. Estão cansados do medo da opinião pública e de passar a mão nas cabeças daqueles que seguem optando por atenuantes, ao invés de partir para atitudes mais agressivas e de resultados imediatos. “As pessoas estão morrendo. Nós estamos morrendo. Não há mais tempo para conversa fiada”, diz um deles, muito provavelmente representando a maioria. Há, no entanto, aqueles que insistem em optar por caminhos intermediários, buscando uma mediação que há um bom tempo deixou de surtir resultado. É preciso ser prático. E a hora é agora.
Com um enredo tão amplo em mãos, no qual o coletivo parece ditar as regras, Campillo – também roteirista, vencedor do César por Entre os Muros da Escola (2008) – escolhe Nathan (a revelação Arnaud Valois) como ponte de identificação com o espectador. Ele é o novato, aquele que recém chegou e precisa não apenas descobrir como as coisas funcionam por ali, mas também identificar qual será o seu papel no meio daquilo tudo. Ainda que rapidamente passe a assumir uma postura ativa, se envolvendo em protestos, passeatas e discussões, está no olhos dele, no entanto, a chave da mudança pela qual está passando, ainda mais internamente do que se é possível perceber pelo seu exterior. É um homem vivido, com sua parcela de amores e frustrações, e mesmo sendo soronegativo, está decidido a fazer sua parte nesta luta. Até ali chegou, mas o que irá movê-lo num segundo – e ainda mais intenso – momento será a paixão que o envolve. Um amor à sobrevivência, ao esforço contínuo e pelo acordar de cada dia, que ganha corpo e mente em Sean (Nahuel Pérez Biscayart, em uma atuação tão perturbadora quanto sensível), aquele com quem passará a dividir cada instante, mesmo que estes não durem para sempre.
Com 120 Batimentos por Minuto, Robin Campillo segue no caminho para se tornar um dos mais importantes realizadores LGBT da atualidade, indício apontado no seu trabalho anterior, o provocador Meninos do Oriente (2013). É importante perceber, no entanto, que assim como Gus van Sant ou Xavier Dolan, seu cinema está além da orientação sexual daqueles presentes em seus enredos, impondo-se com uma temática pertinente e relevante, que não pode ser ignorada, independente de quem se situa no lado de cá da tela grande. Neste mais recente longa, ele não perde tempo com distrações ou amenidades, construindo uma bela e emocionante relação amorosa, ao mesmo tempo em que ela está inserida numa passagem crítica da história recente da nossa sociedade. A justaposição de uma trama em meio a outra coloca em evidência não apenas as ligações inegáveis que existem entre ambas, mas também a urgência de se olhar para uma sem esquecer da outra. Somos somas de nossos gestos, e tanto Campillo quanto seus personagens sabem muito bem disso.
Premiado no Festival de Cannes com o Grande Prêmio do Júri – chegou a levar o presidente do corpo de jurados de 2017, Pedro Almodóvar, às lágrimas – e com o troféu da crítica, além da Queer Palm como melhor filme de temática LGBT, 120 Batimentos por Minuto foi também escolhido como representante oficial da França no Oscar 2018, ainda que tenha ficado de fora da seleção final – uma decisão que provocou gestos de repúdio, como o do cineasta Barry Jenkins, responsável pelo vencedor do Oscar 2017, Moonlight (2016), que chegou a declarar que tal exclusão não fazia o menor sentido. Realmente, após assistir a este impressionante retrato de uma época que insiste em não acabar, é difícil discordar dos gestos ou das palavras de Almodóvar ou Jenkins. Pois aqui temos um filme que pulsa não de acordo com o ritmo normal, nem diante do que se poderia esperar como uma leve agitação. É uma batida crescente, forte e arrebatadora, que não pede permissão, apenas chega e ocupa seu lugar de direito. A verdade está presente, e precisa ser vista, dita e refletida. Afinal, se ignorância é a morte, o conhecimento é a salvação.
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