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Sinopse

João termina um relacionamento de dez anos com Hugo. Apesar da separação, eles permanecem amigos bem próximos. No entanto, voltar ao universo dos encontros românticos, usando aplicativos, traz um turbilhão de emoções, mostrando que a realidade não pode ser controlada como um roteiro de filme.

Crítica

João gostava de Hugo. Mas na incapacidade de seguirem juntos, João passa a gostar de Vitor. E de Martin. Assim como gostava de Orlando. E de tantos outros. Só não de Leo, que gosta de João, mas acaba com Will. É nessa ciranda amorosa que se passa parte da trama de 13 Sentimentos, uma comédia romântica leve, mas não inocente. É, portanto, um passo calculado do diretor Daniel Ribeiro, que se viu alçado a um patamar talvez por demais rarefeito com o seu longa de estreia, Hoje eu quero voltar sozinho (2014), premiado no Festival de Berlim e escolhido para representar o Brasil no Oscar, entre tantos outros reconhecimentos. Foi necessária uma década entre os dois projetos, além de trabalhos na televisão e em outros formatos, para que o cineasta se sentisse disposto em voltar à cena. E assim o faz de modo seguro, quase como num amadurecimento daquele amor jovem e repleto de inseguranças típicas da adolescência. Um passo à frente, ainda que não distante. Afinal, a idade pode chegar e os personagens podem envelhecer, mas não necessariamente se revelam mais sábios. Pois os receios diante da possibilidade de uma nova relação permanecem vivos, uma constatação que aqui se mostra determinante ao discurso que assume e tão bem desenvolve.

João é um homem jovem, na faixa dos 30 e poucos anos, mas não desprovido de experiência. Após dez anos de namoro (ou quase casamento) com Hugo, os dois decidem se separar. Como afirma aos amigos: “foi como uma série que terminou em alta, antes de entrar na decadência”. Os dois se davam bem e tinham afeto um pelo outro, mas não havia mais o amor de antes. Faltava a eles, portanto, o fogo da paixão. Aquele calor (ou clamor) que os mais afoitos seguem buscando de forma incansável, mas que aos mais vividos parece ser mais tranquilo abrir mão, visto o tanto que se pode ganhar em troca. Ao se deparar com um casal que está há décadas unido, questiona o segredo dos dois para seguirem juntos. É uma continuidade que João parece não entender. E da qual irá sentir falta ao se ver sozinho. Seja bem-vindo ao mundo dos solteiros, lhes dizem os mais próximos. Mas o que, de fato, essa mudança de “status” significa?

Ribeiro não está aqui para levantar bandeiras, ditar palavras de ordem e defender ativismos sociais. Seus personagens transitam por uma bolha saudável de conforto e proteção, na qual não existem crimes de ódio, desprezo provocado pela homofobia, ausência de aceitação familiar, falta de confiança ou de caráter. É uma versão que por vezes se aproxima por demais de uma fantasia quase utópica, mas também por muitos almejada. É, com certeza, a realidade de alguns. Mas seria a da maioria? Dificilmente. Mas este não é o ponto. A questão é o quanto aqueles que estão distante desta realidade a ela se voltam, como um modelo a ser seguido e duplicado. O diretor, portanto, desenha com sua história um mundo viável. Eis a chave de um gênero idealizado, que transmite aos tipos que coloca no centro dos acontecimentos a mesma busca pela felicidade que reflete os anseios dos espectadores. E se a uns essa procura caminha rumo a um final feliz, não seria o mesmo destino almejado pelos demais?

João é interpretado por Artur Volpi (Segunda Chamada, 2019), que apesar de estar no seu primeiro papel como protagonista, demonstra desenvoltura como um rapaz que não sabe ao certo do que abriu mão até se ver perdido entre tantas opções, hesitando a ponto de acabar sem nada. Alice (Juliana Gerais, de Todxs Nós, 2020) e Chico (Marcos Oli, de As Five, 2020-2023) fazem às vezes de grilo falante, são as vozes de sua consciência, os melhores amigos que ouvem e dão conselhos, mas que pouca atenção recebem enquanto indivíduos. É de se lamentar, pois ambos possuem personalidades tão interessantes que, mesmo com a pouca presença de ambos, deixam para trás um anseio por mais a respeito de cada um. Quem rouba a cena a cada aparição, no entanto, é Michel Joelsas, que faz de Vitor a paixonite necessária para que João acorde e olhe, enfim, àqueles ao seu redor. Joelsas estreou no cinema ainda criança, mas cresceu e se confirma com um ator completo, disposto a abraçar uma versatilidade que lhe cai bem. Do desprendimento na conquista à fragilidade no momento de se revelar apontam para uma complexidade que agrega ao conjunto uma energia capaz de renovar o interesse, não apenas em si, mas naqueles que com quem estabelece fácil conexão. O ganho é para todos. O elenco, que ainda apresenta nomes fortes, como Sidney Santiago Kuanza e Helena Albergaria, é coeso o bastante para dotar a narrativa de uma força que a eleva acima do descartável, ainda que algumas passagens se mostrem ansiosas por um mergulho mais profundo.

Mas uma tomada mais séria afastaria o todo daquilo ao qual o diretor se propôs. Filme-resposta a um relacionamento passado do cineasta com o também realizador Rafael Gomes (que, por sua vez, contou sua versão da história de ambos em 45 Dias Sem Você, 2018), 13 Sentimentos é acessível quando necessário, mas não desprovido de portas que apontem a caminhos mais densos e, por vezes, não tão solares. Atravessá-las e por estes trajetos percorrer é uma decisão deixada de forma consciente ao espectador. Ao conjunto que aqui se apresenta, cabe fazer desse momento da separação e da busca por um novo amor, seja hetero ou homo, um movimento que atinge a todos, independente da orientação, idade, raça ou classe. Exigir mais do que aquilo que é posto em discussão é não só injusto, como também desprovido de razão. Por vezes, é preciso entender que o respiro se faz preciso, e reconhecer que mais do que discursos inflamados estará no exemplo de uns a possibilidade de tantos outros. Não como ordem ou diretriz, mas uma dentre tantas vias. E é justamente essa diversidade que torna o cenário tão amplo e saudável.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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