Crítica
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Sinopse
A jornada da família Sanford na luta contra o vício e a violência armada são recontados por meio de duas décadas de vídeos domésticos íntimos.
Crítica
Num período de 20 anos, muita coisa acontece a qualquer pessoa. Porém, acabamos perdendo a perspectiva das pequenas transformações determinantes às grandes mudanças, às guinadas que, vistas com distanciamento, ganham ares de paradigmas. Em 17 Quadras o cineasta Davy Rothbart acompanha quatro gerações da família Stanford, começando em 1999 ao se aproximar – de acordo com os letreiros iniciais – dos irmãos Emmanuel (caçula) e Smurf (primogênito) depois de conhece-los num jogo de basquete. Primeiro, se propõe a filmar o cotidiano deles, buscando também fazer um retrato colateral da área onde os dois moram, relativamente próxima ao centro de poder dos Estados Unidos, na capital Washington. A confiança da câmera aos próprios protagonistas, ou seja, para que os meninos registrem sua rotina, confere ao filme um toque genuíno de intimidade. Dispositivo bastante utilizado desde o fim dos anos 1990, exatamente quando o filme começou a ser feito, essa cessão foi frequentemente utilizada como muleta. Mas, aqui é um acerto enorme.
Vide o resultado, há um processo organicamente colaborativo entre o cineasta e os personagens/coautores. No mais das vezes, os Stanford são os que escolhem o ângulo, o quê ressaltar, quais eventos observar através da lente, seja por instinto ou em virtude do pueril deslumbramento com o mecanismo. Câmeras geravam mesmo euforia quando dispositivos audiovisuais ainda não cabiam na palma das nossas mãos. Por sua vez, Davy ressalta no processo de montagem o que mais lhe chama a atenção nas cerca mil horas de gravação. Promove, assim, a atração de episódios heterogêneos como se de algum modo pudesse organizar o estrépito dos Stanford. 17 Quadras aponta nesse processo à incapacidade de definir uma existência estritamente individual. Ações, decisões e rumos supostamente concernentes a apenas uma pessoa acabam, inexoravelmente, afetando sobretudo os que a rodeiam. A responsabilidade/fardo é mais visível na dimensão familiar, vide os imediatamente impactados por más e boas decisões, tentativas frustradas e bem-sucedidas, vontades e afins.
A matriarca Cheryl Sanford começa o filme emocionada após entrar na casa em que viveu por vários anos. Subsequentemente, surge o testemunho pesaroso de um funeral inesperado. As duas situações são dispostas consecutivamente para gerar um preâmbulo. Este, se encarrega de incutir a dose de inquietude intermitente que tensiona a posterior trajetória cronologicamente retilínea. Assim, somos alertados que em algum instante um dos Stanford irá morrer. Errática, a senhora viciada em cocaína e outras substâncias ilícitas cria sozinha três filhos pequenos. Akil “Smurf”, o mais velho, evade da escola no meio da adolescência e sabidamente flerta com o mundo do tráfico. Denice, a do meio, tem sua subjetividade desabrochada na fase adulta, ao ser compreendida como mulher tentando escapar do destino ao qual parece fadada pela consanguinidade. E Emmanuel, o menor, reivindica naturalmente o protagonismo por conta de sua doçura cativante, surpreendentemente capaz de desviar-se dos caminhos assíduos aos seus. O menino tem insumos para romper a lógica cíclica de miserabilidade. Claramente, o cineasta Davy Rothbart o trata como uma figura trágica.
Os pecados dos pais recaindo sobre os filhos. Uma dinâmica reconhecida na bíblia cristã, mas por ela emprestada de culturas anteriores, como a mitologia grega. Em 17 Quadras a noção de que, a despeito da dor causada por genitores, é provável aos filhos repetirem padrões nefastos perpassa o documentário como um todo. Somos convidados a nos aproximar de maneira privilegiada de uma família amorosa, mas em semelhante medida atravessada por ocorrências dramáticas. Davy Rothbart se achega da intimidade dos Stanford, demonstrando muita sensibilidade diante de coisas potencialmente controversas, tais como o vício, a irresponsabilidade e a culpa. No fim das contas, é um filme ciente da ciclicidade, que pode ser boa ou ruim, mas também empenhado em suscitar empatia, até diante de atitudes obviamente reprováveis. É a respeito das impossibilidades, das dores ocultas que acabam se traduzindo em objetos cortantes, da imensa habilidade que o ser humano tem de seguir adiante mesmo com um mundo de infrações e objeções lhe pesando nas costas.
Filme visto online na 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2020.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 8 |
Francisco Carbone | 8 |
Chico Fireman | 6 |
Alysson Oliveira | 6 |
Ailton Monteiro | 6 |
MÉDIA | 6.8 |
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