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Sinopse

Em agosto de 1945, uma pequena aldeia húngara se prepara para o casamento do filho de um importante secretário da cidade. Mas um acontecimento estranho os apavora repentinamente: um grupo de judeus ortodoxos chegou na estação ferroviária da cidade portando caixas misteriosas. O medo deles é que tudo aquilo faça parte de algum plano de vingança, pelos atos cometidos na Segunda Guerra Mundial.

Crítica

O ano que intitula este filme de Ferenc Török é emblemático historicamente por marcar o fim da Segunda Guerra Mundial, que havia começado em 1939. A trama se passa em agosto, ou seja, menos de um mês antes do conflito ser decretado oficialmente encerrado. Notícias aterradoras ainda chegam pelo rádio, como, por exemplo, o lançamento das bombas atômicas norte-americanas em solo japonês. Uma vila húngara se prepara para o casamento do filho do tabelião local, considerado um acontecimento justamente por conta da proeminência deste homem à região. István (Péter Rudolf) perambula para garantir o sucesso da cerimônia, exibindo comportamento autoritário, algo que o caracteriza ao longo de todo 1945. A chegada inusitada de dois judeus portando caixas supostamente repletas de cosméticos e outros materiais de higiene/beleza cria um desconforto geral, pois todos se mostram receosos quanto às presenças, imaginando-as vingativas.

O antissemitismo é o alvo principal de 1945, longa-metragem fotografado exatamente para aludir a um passado de tons simbolicamente esmaecidos, já que pouco se fala sobre o retorno dos judeus sobreviventes às suas casas. Com uma premissa para lá de interessante embaixo do braço, o realizador, porém, não consegue sobrepujar as camadas mais epidérmicas dos assuntos acessados cinematograficamente, além de demonstrar-se dividido entre criar imagens plasticamente belas e a incapacidade de fazer delas veículo suficientemente expressivo para apontar estados de espíritos individuais ou incômodos coletivos. Narrativamente falando, o grande pilar da transformação capital ao resultado é a crescente inquietude dos personagens diante da possibilidade dos forasteiros reclamarem propriedades e bens extirpados pelo regime que gerou o Holocausto. Alguns habitantes ameaçam desmoronar em virtude dessa pretensa iminência de um confronto moral/ético.

Ferenc Török, todavia, não consegue injetar tensão o bastante nas relações que vão ruindo e/ou se reconfigurando na medida em que os judeus avançam em direção ao destino ignorado. Tampouco é suficiente a menção dos estrangeiros à fragilidade da carga para que fiquemos realmente apreensivos quanto ao conteúdo das caixas. Anulado o suspense, por inanição, sobra o torvelinho de acusações e exposições comportamentais controversas, algumas com sabor de gratuidade – como toda a subtrama da menina de casamento marcado com o farmacêutico, mas que se entrega ao desejo por um camponês antes de juramentar seus votos. 1945 não logra êxito na tentativa de discutir uma parcela da participação húngara na Guerra, mais especificamente a contribuição de pessoas comuns ao infortúnio de tantos que morreram nos campos de concentração. Isso se dá pela falta de jeito ao deflagrar a hipocrisia e a desumanidade, revestidas de conformismo e adequação.

1945 tem cenas muito bonitas, algumas até dolorosas, como quando os judeus finalmente abrem as arcas e mostram a que vieram. Embora a incerteza não seja devidamente alimentada por Ferenc Török, que também não investe nas interações sociais para além das obviedades intrínsecas às configurações de então, o desfecho é um momento emblemático. Contrastando a aparente rigidez formal, surgem planos absolutamente banais, como o movimento de câmera que visa demonstrar o espanto infantil diante de uma visão aterradora. Aliás, nesse fragmento fica evidente a dificuldade diretiva para optar entre a crueza, algo ressaltado pela fotografia, e o floreamento de uma encenação cujos procedimentos de persuasão estão expostos ordinariamente. Outro equívoco é a construção do protagonista, István, um vilão clássico que gradativamente eclipsa as contradições alheias com sua maldade execrável, catalisando observações que, verdade seja dita, poderiam ser estendidas a bem mais gente ali.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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