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Sinopse

Uma linha imaginária separa os mundos infantil e adulto. Os mais velhos geralmente constroem muros de proteção para evitar que os mais jovens tenham contato direto com o lado mais feio do mundo. Mas, esse contato é inevitável.

Crítica

O ano de 1982 foi particularmente interessante, tanto para o diretor e roteirista Oualid Mouaness, como para seu Líbano natal. Foi nessa época, num olhar mais amplo, que sua terra se viu envolta com o agravamento do embate entre nações vizinhas, com a invasão pela Síria e a confirmação de um confronto que iria mudar o modo como levar a vida em Beirute durante muito tempo. Mas, sob um espectro mais pessoal, foi também um momento de descobertas importantes para esse garoto que, recém no colegial, se deparava com novos sentimentos e revelações, como perceber nascer em si o despertar do primeiro amor e o fortalecimento das relações que iriam, ou não, fazer diferença em sua trajetória. É numa combinação dessas duas camadas por onde transita a narrativa de 1982, um drama que, por trás de uma apresentação aparentemente simples, esconde possibilidades de entendimento mais complexas. Ainda que não consiga, no decorrer de seu percurso, evitar um ou outro deslize que, caso tivessem sido contornados, teriam deixado o conjunto ainda mais interessante.

À frente dos acontecimentos está o pequeno Wissam (Mohamad Dalli, um verdadeiro achado). Com apenas onze anos, assim como muitos da sua idade, está apenas contando os dias para o início das férias escolares. Mas falta pouco para esse aguardado momento de descanso. Apenas mais algumas provas, e um ciclo irá se encerrar. Esse prazo apertado, no entanto, também lhe aflige por outro motivo – não tanto pelos estudos, pois esses, acredita, estão garantidos. Sua cabeça, nessas últimas passagens pelo colégio antes de um afastamento compulsório, é se terá ou não coragem de se declarar a uma de suas colegas e assumir, portanto, o sentimento que por ela nutre há tanto tempo. Pois não é somente uma questão de ‘deixar para depois’. Afinal, quando as aulas recomeçarem, talvez não estejam mais na mesma classe. Portanto, é preciso reafirmar esses laços enquanto ainda próximos. Mas como enfrentar algo que tanto lhe consome quando outros assuntos tão mais urgentes – para todos os outros, mas não para ele – vivem interrompendo o seu caminho?

Importante observar que, apesar de escolha do protagonista infantil, Mouaness quase nunca faz da sua história um conto ingênuo ou mesmo alienado dos problemas ditados pelos adultos. A tensão pelo que está prestes a acontecer está sempre presente, e num crescendo. Tanto é assim, que as conversas e discussões entre os professores e funcionários da instituição de ensino vão do protocolar ao extraordinário, comentando não apenas o que acontece, mas também deixando transparecer o temor pelo que pode vir a suceder com todos eles. Nesses ínterins, há espaço para debates privados, que vão desde questões íntimas, como o futuro ou não do envolvimento entre dois instrutores, até outras mais pontuais, como estar a par ou não da segurança de pais e familiares em outros pontos do país. É uma solução simples a ser oferecida ao espectador, mas eficiente o bastante para lhe proporcionar uma dimensão precisa do tamanho do perigo que destes se aproximava.

Conta pontos para esse processo de identificação ter em cena uma atriz como Nadine Labaki, conhecida internacionalmente por seu trabalho como realizadora (assinou o indicado ao Oscar Cafarnaum, 2018), mas responsável também pelas participações em obras comentadas, como o recente Perfeitos Desconhecidos (2022) e o coletivo Rio, Eu Te Amo (2014). Ela sozinha é capaz de representar diferentes dilemas – a aplicação das provas aos estudantes, o que garantiria uma certa normalidade, mas também o diálogo com o professor da sala ao lado, com quem está envolvida, assim como os diferentes níveis de retornos que obtém dos seus que se encontram distante dela. Esse sentido de urgência vem também do fato que o desenrolar dos acontecimentos de 1982 se passa não ao longo de um ano, como o título poderia dar a entender, mas num período mais restrito: nem mesmo um dia, e sim apenas as horas entre o início de mais um turno letivo e o encerramento às pressas quando o conflito bélico tem, enfim, início. Uma ameaça a todo instante cogitada, mas da qual só se tem ciência pelos navios e aviões possíveis de serem vistos ao longe. Antes, e muito mais próximo, há o coração desse menino em busca de um sinal que o apazigue.

A despeito desse caráter pueril, que permite ao realizador incorrer em algumas escolhas no mínimo questionáveis – como o final, para muitos um conceito lúdico, mas que destoa gravemente do tom perseguido até aquele momento, gerando mais um ruído visual e estrutural, e menos como um elemento de compreensão – há trocas e posicionamentos que falam diretamente com os tempos de hoje, fazendo do conjunto merecedor de um olhar atento. Quando o irmão se afasta para se envolver com as milícias, servindo como estopim da guerra em nome de uma ideia de pátria que mais ataca do que protege, encontra reflexo também naquele que vai no sentido contrário, buscando diálogo e reflexão, porém sem dar espaço para que um acordo seja possível no meio do caminho. Estão ambos, cada um a seu modo, em um extremo, impossibilitando qualquer acerto. Assim, justamente pelo olhar do garoto que quer apenas amar e ser correspondido, 1982 mostra que um entendimento não só é viável, mas também digno de ser alcançado tanto pelos jovens, como também por aqueles no comando das grandes resoluções.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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