20.000 Espécies de Abelhas
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Estibaliz Urresola Solaguren
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20.000 especies de abejas
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2023
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Espanha
Crítica
Leitores
Sinopse
Ane e Gorka estão em crise, e decidem passar as férias separados. Ela vai para o interior com os filhos, enquanto ele fica na cidade. Porém, drama maior está passando o caçula do casal. Ele não quer mais ser chamado de Aitor, seu nome de batismo, e nem mesmo como Cocó, o apelido que ganhou na escola. Ela, na verdade, está descobrindo um novo nome para si.
Crítica
Do que são feitos os elos que mantém uma família unida? Será apenas uma questão de empatia, de interesses comuns, ou estaria, de fato, no sangue, uma explicação genética e científica? Por outro lado, há os que apostam em explicações espirituais, carmas vindos de outras vidas que estariam cumprindo uma missão durante os dias de agora. Independente da origem, são esses os sentimentos que fazem das relações entre marido e mulher, pais e filhos, uns dos elementos mais sólidos que se conhecem. Porém, seria não mais do que uma questão de projeção, de se confirmar aquilo que se espera a partir dos outros, ou de se estar, de fato, aberto para o que vier, independente de ser o que se espera de uns para os outros? Em 20.000 Espécies de Abelhas o que se torna evidente desde a escolha do título é que há muitas possibilidades além daquelas que se poderiam imaginar em um primeiro momento, e se manter aberto aos imprevistos e quebras de expectativas é fundamental para a manutenção de um afeto constantemente renovado, e, por isso mesmo, tão contínuo quanto raro. Uma lição até mesmo óbvia, mas que se vê reforçada em seu valor justamente por uma precisa e afiada reiteração.
O longa escrito e dirigido pela espanhola Estibaliz Urresola Solaguren parte de um momento de separação: Ane (Patricia López Arnaiz, de Oferenda à Tempestade, 2020) e Gorka (Martxelo Rubio, de Maixabel, 2021) são um casal em crise, por mais que se esforcem para esconder essa indisfarçável situação. É chegada as férias escolares, e a solução que encontram é a partida dela com as crianças para a casa da avó, no interior, enquanto ele permanece na cidade. Quem sabe assim, com essa oportunidade de afastamento e reflexão, não encontrem forças – ou motivos – para se reencontrarem. A mulher, no entanto, aproveita a ocasião para um mergulho no passado, e assim que chega ao povoado onde nasceu, decide se abstrair de demais responsabilidades se ocupando quase que integralmente de uma antiga – porém ainda estimada – atividade: a oficina de esculturas, prática herdada do pai, que agora percebe novamente renascer em si.
Tal descoberta seria formidável, não implicasse em um outro esquecimento – esse vindo de tempos: os próprios filhos. Se os dois mais velhos não são mais do que espectros – a menina é uma adolescente, e vive em seu mundo particular, enquanto o garoto faz o que se espera de meninos da sua idade, ocupando o tempo em jogos de futebol e aventuras com amigos de ocasião – estará no caçula o drama a ser desdobrado. Aitor tem apenas oito anos, mas já sabe que esse não é o nome pelo qual deve responder. Também não suporta Cocó, o apelido que vem da escola e acaba pegando entre os irmãos com impressionante facilidade. Nos momentos de maior hesitação, chega a afirmar não ter batismo algum, recusando-se a tomar conhecimento de qualquer chamado. Mas, em seu íntimo, sabe bem como deseja ser reconhecido. É como escolheu para si, e que somente a alguns poucos escolhidos vai revelando essa força que vem do seu íntimo: Lucía é quem é de verdade.
“Você sempre soube quem seria?”, chega a perguntar ao irmão. “Em que momento decidiu que seria uma menina?”, questiona à tia. “Por que para você tudo parece tão fácil, enquanto comigo definir algo tão simples soa quase impossível?”, confessa, entre lágrimas, em um momento de maior desespero. Questões como essas talvez não devessem atormentar alguém tão jovem. Porém, são elas que guiam a existência de Lucía, antes Aitor, em quase todos os instantes do seu dia. Da recusa em ir à piscina com os primos (pois receia ter que tirar a roupa) ao nítido prazer que exibe ao brincar sozinho com bonecas que podem trocar de corpos e figurinos de acordo com a vontade de cada momento, eis um turbilhão de energias, anseios e frustrações se passando em alguém que pouco compreende o que lhe aflige, ao mesmo tempo em que lhe falta a presença de outros que possam não apenas ouvi-la, mas também com o interesse em compreendê-la dentro da razão ao qual percebe como lógica. Não chega a ser uma questão de mudar quem se é, mas, por outro lado, aceitar quem dela está emergindo, sem motivos ou explicações para retorno.
Num imbróglio familiar constituído por diversos arrependimentos e negações, Lucía (a revelação Sofía Otero, em performance hipnotizante, circulando entre a fragilidade do desconhecimento à revolta de uma angústia prestes a emergir) vai aos poucos se mostrando como uma voz que não pode mais ser abafada. Outros dilemas ficarão para trás, alguns enterrados, outros adiados, mas não mais ignorados. Pois, assim como ela fará questão de se mostrar, exigindo espaço e reconhecimento, também os demais assim deverão se comportar, sabendo-se que está nesse processo de aceitação o maior dos afetos. 20.000 Espécies de Abelhas sabe que, ao falar de uma abelha em específico, estende seu olhar a todas as demais, multiplicando seu esforço muito além do plano inicial. Eis, portanto, o maior dos seus méritos: a amplitude do discurso que emprega e a relevância do debate proposto, que reforça não apenas o quão importante se faz encarar de frente insatisfações que se recusam a se manter reprimidas, como também a diferença que o suporte dos mais próximos pode fazer na condução de um encontro tão íntimo e necessário, que é o de si, consigo mesmo.
Filme visto no 73º Festival Internacional de Cinema de Berlim, na Alemanha, em fevereiro de 2023
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