Crítica
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Sinopse
Uma retrospectiva agridoce/tragicômica deste ano marcado historicamente por uma pandemia sem precedentes recentes, mandatários populistas flertando com o fascismo e um sem números de outros males.
Crítica
Dependendo do lugar no mundo ocupado pelo leitor, 2020 pode ser sido mais ou menos traumático, mas é difícil imaginar que para alguém ele não tenha sido dureza (a não ser para os multimilionários que ampliaram suas fortunas em tempos de crise). 2020 Nunca Mais é um falso documentário ancorado no velho formato da retrospectiva, o daqueles programas tradicionais que passam a limpo o que aconteceu num período prestes a acabar. E, além do caráter hilariante da escolha dos personagens e dos recortes dessa rememoração tragicômica, o destaque fica por conta da constatação de que até os “depoentes” não são lá flores a serem cheiradas sem contraindicações. Samuel L. Jackson talvez seja o personagem mais confiável, o que se mantém com certo distanciamento crítico de toda a maluquice que tornou insanos nossos últimos 365 dias. O retrato aqui pintado é o de um pesadelo embalado em pandemia, fake news e demarcado ferrenhamente pela ascensão do fascismo (e suas atualizações impulsionadas por tecnologia) e pela polarização. Um dos principais alvos é o quase ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aqui analisado com devido escárnio.
A primeira metade de 2020 Nunca Mais é uma metralhadora giratória de piadas mordazes sobre as tantas tragédias abatidas sobre o mundo, mesmo antes do alerta de infecção soar na cidade de Wuhan, na China. Se fosse sobre o Brasil, certamente teria de incluir a crise hídrica do Rio de Janeiro e outras turbulências entre janeiro e março. Queimadas na Austrália, “tornando inóspito o território, mesmo aos australianos” e crises diplomáticas globais, como as trapalhadas de Trump num embate perigoso com o Irã, são comentadas por figuras sintomáticas da nossa contemporaneidade desvairada. Hugh Grant vive um historiador estereotipado que, vez ou outra, mete os pés pelas mãos nas conexões com períodos similares, sem contar os momentos engraçados em que injeta partes dos enredos de Game of Thrones (2011-2019) e da saga Star Wars como se ficção e realidade pudessem ser fundidas assim. O tom satírico empregado pelos cineastas Al Campbell e Alice Mathias passa, inevitavelmente, pela ridicularização de figurinhas carimbadas, vide os magos da tecnologia acumulando poderes incalculáveis em benefício de si próprios e produtores de conteúdo virando celebridades.
O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, já tinha virado piada em Borat: Fita de Cinema Seguinte (2020) e em 2020 Nunca Mais segue motivo de chacota. Em determinado instante, ele aparece num suposto vídeo relacionado, desmentindo sua disfunção erétil e no outro surge, de relance, como exemplo de mandatário alheio à pandemia. Aliás, a política internacional é o grande alvo do filme, mais até do que o coronavírus que marcou permanentemente este ano. Assim como Trump, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson é criticado abertamente, chamado de incompetente para cima. Lisa Kudrow vive o tipo de porta-voz bastante emblemática da negação da realidade e do questionamento de fatos comprovados. Embora sua participação seja basicamente reiterativa, serve de pontuação entre outros segmentos principais, sobretudo a partir da anedota da reclamação da falta de espaço às vozes conservadoras. A Rainha Elizabeth II (Tracey Ullman) é utilizada bem mais como adorno curioso. Da metade em diante, o filme acaba repetindo algumas piadas e colocações, assim perdendo um pouco da intensidade cáustica, ainda que as coisas sigam vitalmente ferinas.
Num filme que ainda conta com Kumail Nanjiani, Leslie Jones e Joe Keery, e que aborda temas essenciais como os protestos decorrentes do brutal assassinato de George Floyd nos Estados Unidos, duas atrizes menos conhecidas do grande público sobressaem. Diane Morgan interpreta o que a equipe do documentário considerou, “depois de várias pesquisas”, a pessoa mais comum do mundo. Ela manifesta questionamentos tolos, confunde a corrida presidencial dos Estados Unidos com um reality show difícil de acompanhar, e arremata com a constatação do que a espera socialmente quando a vacina contra a Covid-19 permitir conviver novamente. Já Cristin Milioti vive a passivo-agressiva-branca-burguesa que diz barbaridades com um sorriso no rosto, verdadeiro emblema dessa turba pró-Trump-Bolsonaro-Boris que nem consegue disfarçar seu ódio a tudo que desvia dos padrões dominantes e excludentes. 2020 Nunca Mais é uma forma bem-humorada e inteligente de exorcizar alguns dos fantasmas desse ano que teima em não acabar. Nele, nem mesmo os eventuais aliados são tidos como inocentes. Mesmo a ilustração leviana dos cineastas é sinalizada como tosca.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 7 |
Daniel Oliveira | 6 |
Ticiano Osorio | 7 |
Diego Benevides | 5 |
Bruno Carmelo | 6 |
MÉDIA | 6.2 |
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