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Crítica


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Sinopse

Na Califórnia dos anos 70, uma mãe tenta cuidar de sua família da melhor forma possível enquanto procura respostas para os questionamentos de duas jovens amigas. São elas: uma fotógrafa aficionada pela cultura punk, e uma amiga de seu filho.

Crítica

Não são apenas a passagem dos anos e a solidão que afligem Dorothea (Annette Bening), mulher entre os 50 e os 60 anos que vê crescer um abismo entre ela e seu filho único, o adolescente Jamie (Lucas Jade Zumann). O carinho que os une acima da tudo, até mesmo desse descompasso resultante da diferença geracional, fica evidente na alternância de narrações em off que abre Mulheres do Século XX. O diretor Mike Mills estabelece por meio do procedimento tão incomum quanto simples a base de uma relação feita de diálogo, mas também de bastante incompreensão. O mérito do filme é abraçar as ambiguidades de uma maneira muito carinhosa, expondo-as como um efeito colateral da interação nem sempre amistosa entre pessoas que, a despeito disso, evidentemente se amam. Neste enredo fundado nos afetos, que extrai deles o sumo para garantir sua organicidade, os coadjuvantes são peças imprescindíveis que, ocasionalmente, inclusive, ascendem ao protagonismo naturalmente.

Um dos pontos que contribui para o êxito de Mulheres do Século XX é a utilização de elementos e ocorrências da época em que ele se passa, o fim dos anos 70, para deflagrar as transformações sociais que afetam determinantemente os comportamentos, bem como as conexões que se estabelecem entre essas pessoas. Dorothea é dona de uma casa grande – ela própria cenário que testemunhou diversos momentos –, na qual moram, além dela e do filho, os inquilinos Abbie (Greta Gerwig) e William (Billy Crudup). A jovem fotógrafa luta contra ameaças recorrentes à sua saúde. Já o homem, constantemente lembrado como possível interesse romântico da senhoria, parece estar ali prioritariamente para ser útil, embora passe longe da figuração. Para completar essa ‘família’, Julie (Elle Fanning), amiga de infância de Jamie, por quem ele obviamente é apaixonado. Do cotidiano em comum desses personagens se desprende o que o longa-metragem tem de mais bonito e contundente.

Mulheres do Século XX até ensaia focar-se majoritariamente na preocupação da mãe com o futuro do filho, e na do garoto com a estagnação daquela que lhe cria sozinha após a separação e o distanciamento do marido. Todavia, é justamente em virtude do espaço generoso que Mike Mills, também roteirista, confere às demais peças da trama, que a produção consegue atingir patamares distintos. Por exemplo, no instante em que Dorothea convoca Abbie e Julie para ajudar a criar Jamie, ela deixa exposta a sua dificuldade de lidar com a nova era, literalmente punk rock, mas igualmente permite que nos aproximemos das duas, de seus problemas, dilemas e eventuais dramas. Estipula-se, então, outra instância de cunho geracional, estritamente feminina, ainda mais rica, pois temos uma mulher madura, uma cheia de questões frente à necessidade de entrar de cabeça na vida adulta, com todas as responsabilidades, e uma jovem avessa ao seu ambiente familiar, carente e  quase autodestrutiva.

Encabeçado pela atuação excepcional de Annette Bening, o elenco é um dos principais responsáveis pela excelência de Mulheres do Século XX, filme que não foge das complexidades e tampouco se esquiva de tocar em temas espinhosos. A mutação do papel da mulher na sociedade entrecorta a narrativa, robustecendo o registro da época e se inserindo significativamente como componente decisivo. Exemplo disso, a cena em que Abbie problematiza veementemente o constrangimento alheio diante da menção à menstruação. Alguns recursos, como a narração em off que, antes mesmo do encerramento, dá conta do que aconteceu com certos personagens, tem impactos questionáveis, especialmente à nossa já garantida adesão emocional, soando, assim, ligeiramente desnecessários. Nada, porém, que amenize ou macule a beleza surgida do olhar singelo que Mike Mills lança sobre essa gente de carne e osso, que tenta sobrepujar as adversidades decorrentes do transcorrer do tempo e do viver.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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