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Sinopse

Nos últimos cinco anos de sua vida, o cineasta Abbas Kiarostami se dedicou à produção de breves frames, cada um em torno de cinco minutos de duração, onde trazia vida a imagens e fotos pré-estabelecidas. É a partir do inusitado e da sutileza das mudanças que o diretor busca acompanhar traços da natureza e, em alguns casos, estabelecê-los com a cultura produzida pelo homem.

Crítica

Nos últimos anos de sua vida, o iraniano Abbas Kiarostami dedicou boa parte de seu tempo livre a uma paixão paralela ao cinema: a fotografia. Munido de uma câmera Yashica barata, como revelado pelo próprio, o realizador saiu pela natureza registrando paisagens, animais e fragmentos de vida aparentemente triviais que, posteriormente, decidiu compartilhar com o mundo. O longa 24 Frames nasce justamente deste desejo, ganhando a forma de um projeto experimental, finalizado após a morte do cineasta – ocorrida em julho de 2016 – que busca dar vida a fotografias e pinturas através da sobreposição de imagens e da animação, criando uma experiência sensorial bastante particular. Um exercício de contemplação envolto em lirismo, que dialoga diretamente com o cerne da obra de seu criador.

Abrindo com um breve texto que compara os ofícios de fotógrafo e cineasta, o longa apresenta vinte e quatro segmentos – numa alusão ao número de quadros por segundo que compõem a cadência cinematográfica padrão – cada um com pouco mais de quatro minutos de duração. O primeiro frame, a tela Caçadores na Neve, do belga Pieter Bruegel, apesar de ser um dos poucos não compostos por uma fotografia tirada por Kiarostami, já dita o tom de conexão com a natureza e seus elementos – o vento, a neve, as árvores, as aves – que domina a película em sua quase totalidade. As figuras humanas, como os caçadores da pintura de Bruegel, possuem uma presença reduzida, assumindo quase sempre a posição de observadores, espelhando o próprio papel do fotógrafo/diretor.

A interferência do homem ainda pode ser percebida em algumas das imagens de Kiarostami, porém, essa ação ocorre sempre fora do quadro – no vidro de carro que se abre, no tiro disparado – servindo para instigar ainda mais a imaginação do espectador. É vislumbrando pequenas narrativas que Kiarostami cria os contextos nos quais insere suas captações estáticas, que ganham movimentos e sons, transmitindo as mais diversas sensações, como a tensão latente contida no frame em que um cervo acaba sendo abatido. A cena em questão exemplifica o uso pontual e preciso da trilha sonora, para além de ruídos da natureza, como também ocorre na sequência, de singelo encanto, embalada por uma versão em voz feminina da canção italiana Caruso, na qual vemos apenas as sombras de dois pássaros pela cortina de uma janela.

A janela, por sinal, possui uma função simbólica recorrente no cinema do diretor – vide, por exemplo, o plano derradeiro da obra-prima Cópia Fiel (2010) – servindo como meio de entrada ou de fuga, mas, acima de tudo, como um portal para o olhar. Pelas janelas abertas em 24 Frames, o cineasta coloca o público frente à vida, à morte, ao medo, à paz, à criação, à destruição, ao romance. Contudo, a variação mínima sobre os mesmos temas, apresentada em boa parte dos segmentos, torna a proposta um pouco repetitiva, fazendo com que sofra certo desgaste. É um risco que Kiarostami se dispõe a correr, mas um risco aparentemente calculado, como parte de uma espécie de desafio lançado ao espectador, convocado a dedicar um tempo incomum dentro do cenário atual – de uma sociedade mergulhada no consumo ultra veloz de informações – ao ato de contemplar. Gesto este que o cineasta prova ser recompensador.

Pois com seu 24º frame, de uma beleza poética avassaladora, que completa o sentido e valida toda a proposta do longa, suplantado as irregularidades de seu desenvolvimento até então, Kiarostami oferece uma verdadeira recompensa à atenção dispensada. Na imagem da garota que dorme em frente a tela do computador – a janela dos tempos digitais – exibindo, quadro a quadro, o beijo de Teresa Wright e Dana Andrews, os únicos rostos humanos a surgirem na projeção, no final de Os Melhores Anos de Nossas Vidas (1946), clássico de William Wyler, está a síntese do pensamento do iraniano: de que se não pararmos para observar, podemos perder as coisas fantásticas que se encontram diante de nossos olhos. Uma valorosa lição deixada por um cineasta que, por meio de seu olhar, buscou nos aproximar do mundo e de nossos sentimentos até seu último suspiro.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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