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Sinopse

Exposto ao HIV, o adolescente Caleb vê sua vida virar de cabeça para baixo. Enquanto aguarda o resultado para saber se é soropositivo, ele acaba encontrando amor, acolhimento e atenção nos lugares mais improváveis.

Crítica

Troye Sivan é conhecido por ser o cantor de sucessos como Dance to This (2018) e Angel Baby (2021). O que poucos sabem é que o jovem é também ator, tendo inclusive estrelado a trilogia Spud (2010-2013-2014), de grande sucesso na sua África do Sul natal, e aparecido como o protagonista em sua infância em X-Men Origens: Wolverine (2009). Desde Boy Erased: Uma Verdade Anulada (2018) – no qual, inclusive, fez uma participação bastante discreta – ele vinha se mantendo afastado da atuação. Postura essa revogada em Três Meses, no qual aparece como Caleb, o personagem principal de uma história simples, porém narrada com tamanha sinceridade que consegue com habilidade disfarçar eventuais pormenores. Muito disso se deve, principalmente, pela trama ter sido construída para favorecer o carisma do seu intérprete, ressaltando não apenas seu viés enquanto astro pop, mas também pela postura de ativista da causa LGBTQIA+. Parece pouco, mas num meio no qual nem todos conseguem se destacar junto a um público mais amplo, esse mínimo acaba por fazer, sim, diferença.

Caleb sabe bem quem é, ainda que não tenha definido o que quer para si. Desde a morte do pai, vive com a avó (Ellen Burstyn), uma vez que lhe ficou evidente não ter sintonia com a mãe (Amy Landecker, de Transparent, 2014-2019). A falta de conexão entre os dois vem do fato dela ser uma religiosa convicta e ele assumidamente gay. A questão entre eles, aparentemente, está resolvida, até porque o rapaz tem assuntos mais urgentes com os quais lidar. Como o fato de ter recebido uma mensagem do desconhecido com quem transou no último sábado lhe informando que o sexo de ocasião foi com um cara que apenas agora se descobriu HIV+ – e a camisinha estourada, antes apenas um acidente de percurso, agora se tornou um problema quase incontornável. Mas Caleb dá a essa urgência a importância devida, e na primeira oportunidade recorre a um centro de saúde comunitário para fazer os testes disponíveis e descobrir seu status atual. Porém, até sair um resultado definitivo, é preciso esperar. Por quanto tempo? Três meses.

Há exames rápidos que podem afirmar se a pessoa é ou não HIV+ em até 30 minutos. Mas esses não são isentos de dúvidas. Uma confirmação total exige mais de uma verificação, em espaços de tempo distintos. Por isso, o período apontado pelo título não chega a ser tão absurdo, por maior que seja a estranheza percebida num instante inicial. Há, também, de se levar em conta os propósitos dramáticos para essa escolha. Três meses também será o espaço necessário para que Caleb amadureça, repense suas escolhas de vida e organize suas prioridades. Apesar de Sivan viver em cena quase uma versão ficcional de si mesmo, seu personagem é um adolescente (ou jovem adulto, no máximo), e não um homem de quase 30 anos, como o ator (inacreditavelmente). Assim, entre o emprego temporário como atendente em uma loja de conveniências, a saudade paterna, a rejeição materna, o sentimento de ser um peso para a avó (e para o namorado dessa, vivido por Louis Gossett Jr.), e a atenção exigida pela melhor amiga (Brianne Tju, de Medo Profundo: O Segundo Ataque, 2019), há também a descoberta do novo. E com isso, mais uma mudança capaz de alterar sua visão de mundo.

Está se falando aqui da descoberta do primeiro amor. Sim, pois Três Meses é, também, um romance de formação. Tão acostumado a lidar apenas consigo, tanto por ter sido deixado (pelo pai que se foi, pela mãe que não que não o quer) como pela sensação de inconveniência no lugar que lhe restou (há diálogos entre os veteranos sobre a necessidade de se mudar para uma casa de repouso para idosos, algo que a avó vem adiando, acredita ele, por causa da sua presença). Essa falta de pertencimento começa a mudar a partir do momento em que conhece Estha (Viveik Kalra, de A Música da Minha Vida, 2019), um emigrante indiano que está passando por situação similar de insegurança e falta de direção. Enquanto também espera pelos resultados dos seus próprios exames, este tem ainda que se preocupar com a pressão familiar sobre seu futuro, estudos e decisões profissionais. Há, nessa visão, uma aproximação perigosa dos estereótipos em relação aos estrangeiros. Felizmente, nada que atrapalhe o desenvolvimento da relação entre os dois. Caleb e Estha se apaixonam, mas são quase crianças, tateando da forma quase inocente os corpos um do outro, suas reações e desejos, e com isso, também ampliando seus horizontes.

No meio de tanta coisa, o drama da descoberta do status de HIV acaba ficando em um segundo plano – e isso é uma boa coisa. Nos anos 2020, diferente do que ocorreu quarenta anos atrás, quando o vírus foi descoberto, ser positivo não é mais uma declaração de morte próxima – muito pelo contrário, aliás. Isso até chega a ser dito em cena, mas o melhor do drama escrito e dirigido pelo estreante Jared Frieder é justamente não oferecer à situação um peso além da conta. Certamente é um descuido que não pode ser tratado de modo leviano – assim como procede Caleb, que busca ajuda assim que possível – mas também não é mais um dado determinante sobre como encarar os anos seguintes. Família, amores, amizades, saber se prender e se soltar na hora certa para cada um desses gestos: são essas as atitudes, afinal, que irão importar. Troye Sivan empresta ao seu personagem um brilho próprio, tanto nas passagens mais descontraídas – a sequência “Any Wich Way” já vale o filme – como também nas mais intensas – as conversas francas com a avó, o acerto com a paixonite da estação, o alinhar de planos com a amiga. Estão nestes detalhes, muito mais do que no conjunto como um todo, onde reside a verdadeira força de Três Meses, um filme sobre a espera e o poder transformador da reflexão que apenas o passar do tempo pode proporcionar.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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