Crítica
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Sinopse
Laura se casa com Don Massimo, o chefão da máfia siciliana que a tinha sequestrado. Depois do enlace, a vida da mulher parece um conto de fadas. No entanto, Laura não esperava por algo que pode comprometer sua felicidade.
Crítica
Não é exagero afirmar que há pouca (ou praticamente nenhuma) história nos 45 minutos iniciais de 365 Dias: Hoje. Essa primeira metade da sequência do sucesso 365 Dias (2020) é uma coleção de transas filmadas com excesso de floreios, ao ponto de tudo ser meio ridículo, vizinho demais da paródia ruim. Para começar, temos o casal se aproximando em câmera lenta; ao fundo um pôr-do-sol fenomenal; os dois fazem sexo sobre uma bancada, antes do casamento. A partir disso, uma coleção de vinhetas soft porn que não dão espaço para qualquer trama, ao menos, começar a ser elaborada e desenvolvida. O mau gosto na construção das cenas de intimidade chega ao cúmulo quando o protagonista masculino é interrompido durante um jogo de golfe pela esposa “em chamas”. A mulher troca a bandeira que sinaliza o buraco do campo por ela própria. Laura abre as pernas e sugere que a bolinha seja mirada em sua vagina. É isso mesmo. Tudo em slow motion, com os atores fazendo caras e bocas e uma música praticamente onipresente que acentua a sensação de clipe erótico. O apetite sexual de Massimo (Michele Morrone) e Laura (Anna Maria Sieklucka) é incansável, como comprova o instante em que ela o presenteia com uma noite de liberdade total no ambiente propício ao puro fetichismo.
Além de não propor um enredo, os cineastas Barbara Bialowas e Tomasz Mandes demonstram incapacidade diante de coisas simples, tais como sinalizar as insatisfações e afins. O roteiro assinado pela dupla em parceria com Mojca Tirs torna as situações banais, tanto que elas viram completamente descartáveis. Numa cena, Laura transa loucamente com o marido de semblante de mau. Sem qualquer indício prévio, logo menos confessa à amiga que está aborrecida, infeliz no casamento recentemente celebrado. Mais à frente, Laura contradiz essa angústia ao envolver o esposo em mais um joguinho erótico incipiente e encenado como se fosse preciso contorcionismos e malabarismos para os parceiros chegarem ao orgasmo. À medida que 365 Dias: Hoje avança, fica ainda mais evidente que esses arremedos de problemas pessoais, bem como os conflitos da máfia que surgem no horizonte, são meras desculpas bem esfarrapadas para as cenas de sexo acrobáticas. O mundo do longa-metragem polonês contém somente pessoas lindas de corpos esculturais, carros esportivos de valor proibitivo a quem não é milionário, mansões nababescas e demais artigos de luxo. E essa ostentação toda é parte de uma estratégia escancarada de criar algo aproximado do conto de fadas. Mas, com quilos de sexo.
A priori, não há problema na criação de uma realidade paralela sem correspondências com a realidade. O cinema é pródigo em filmes que utilizam como estratégia narrativa esse distanciamento da dureza do cotidiano. No entanto, em 365 Dias: Hoje, condenável é o que está alimentando as entrelinhas, justamente a idealização da felicidade atrelada às riquezas e aos relacionamentos afetivos alimentados por uma chama sexual praticamente inesgotável. Embora Laura chegue a mencionar que tem noção do quão doentio (palavra dela) foi o começo de seu romance com Mássimo – afinal de contas, ele a sequestrou –, isso não gera nenhuma turbulência no casamento. Nenhuma. Barbara Bialowas e Tomasz Mandes tentam em um par de situações apresentar a protagonista feminina como alguém empoderada, capaz de afrontar até mesmo o seu marido mafioso para “fazer o que bem entende”. No entanto, essa vontade de independência é somente verbalizada, mas não sustentada por gestos e ações. E isso também acontece com o outro bonitão que corteja Laura, Nacho (Simone Susinna), cujo desejo de emancipação do pai controlador vai até a constatação de que isso significaria perder os privilégios. Seria pedir demais que os realizadores prestassem atenção a tais contradições humanas?
365 Dias: Hoje pode ser definido como uma coletânea de vinhetas eróticas dedicadas estritamente à plasticidade do sexo, embaladas por uma trilha sonora praticamente incessante que interdita os silêncios. Os personagens não têm espessura, os conflitos são rasos como pires e as reviravoltas desprovidas de intensidade dramática. Isso, sem contar algumas estratégias narrativas que beiram o constrangedor, como o artifício do irmão gêmeo. Outro exemplo do quão ridícula é essa produção polonesa está na cena em que Laura conhece Nacho. Depois de mais uma noite de peripécias no quarto talhado para abrigar o prazer, ela demonstra frustração na varanda lindíssima com vista parta o mar. Eis que surge o bonitão de corpo torneado dizendo-se o novo jardineiro. Oras, não é preciso ter uma vasta experiência com filmes pornográficos para entender a ligação que os realizadores fazem nesse momento específico. A cafonice se repete na caminhada (também em câmera lenta) dos dois “príncipes” de arma em punho rumando ao salvamento da “princesa”. Massimo é o bruto, o que tem a “pegada” firme; Nacho é o sensível, aquele que avança mais carinhosamente pelo corpo feminino tão percorrido pela câmera dos cineastas. É a mesma estratégia das sagas Cinquenta Tons de Cinza e Crepúsculo, mas com doses cavalares de mau gosto, situações mal encenadas, personagens ocos, elenco belo e cenários opulentos. O resultado é um vácuo de ideias e a representação do sexo como modalidade acrobática.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 2 |
Ticiano Osorio | 1 |
Francisco Carbone | 1 |
MÉDIA | 1.3 |
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