Crítica


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Sinopse

Em Nova York, num apartamento, Cisco, um ator de meia idade, e Skye, uma jovem artista plástica, apaixonados, preparam-se para o fim do mundo, que tem dia e hora marcados, mas não um motivo específico.

Crítica

O que você faria se houvesse uma data certa, com horário preciso, que estipulasse até o minuto exato, para o fim do mundo? Pois foi a este ponto que chegaram os personagens de 4:44: O Fim do Mundo, mais um filme inspirado pela recente onda de catástrofes anunciadas pelos incas séculos atrás e marcadas para o final de 2012 – o que, como vimos, não possuía fundamento. Sua falta de veracidade e comprovação científica, no entanto, não impediu o exercício da criatividade de muitos realizadores, que desenharam cenários explosivos e grandiosos, como os de 2012 (2009), ou simbólicos e repletos de presságios, como os de Melancolia (2011). Neste filme dirigido pelo sempre inquieto Abel Ferrara, a visão apresentada está muito mais próxima do segundo caso acima citado.

Ao contrário de tragédias globais e destruições sem limites, a ação aqui é interna, tendo como foco quase que exclusivo o casal formado por Willem Dafoe e Shanyn Leigh, um célebre ator e uma pintora de sucesso, os dois juntos dentro do próprio apartamento esperando pelo instante final. O filme já começa neste último dia, com todo mundo se preparando para a madrugada seguinte quando, exatamente às 4h44min, tudo chegará ao fim. A explicação, oferecida mais em detalhes do que em um modo mais didático, vem de causas naturais, do constante abuso do ser humano em relação à natureza e do desgaste da camada de ozônio que nos protege. É curioso, por outro lado, que algo que tenha como origem sintomas globais possa ser tão pontual em seu clímax, mas mesmo isso é mais uma das questões levantadas pelo cineasta através de seus personagens.

Afinal, o que fazer neste tempo que resta? Falar com amigos e familiares pelo Skype, tentar fazer as pazes com a ex-esposa, beber até esquecer, dividir mais uma carreira de cocaína com antigos companheiros? Retomar contatos já esquecidos e pedir perdão àqueles ao nosso redor, ou seguiremos mentindo, enganando, escondendo? O homem realmente muda estando assim tão próximo do fim ou, de fato, a esperança é a última que permanece, fazendo com que a gente se mantenha fiel aos nossos preceitos até não ter mais volta? Qual o conceito de arrependimento num cenário como esse? Não seria, portanto, o caso de nos entregarmos ao sentimento mais animalesco que há dentro de nós, focando nossa atenção aos instintos primários, como sexo, comida e descanso? Por que se desesperar, qual o sentido de um suicídio prévio se em poucas horas todos terão o mesmo destino? Como fica a vontade de, mesmo indo contra a si próprio, ser dono de sua vida e de suas decisões, impedindo que outro – Deus? – decida por nós?

Selecionado para o Festival de Veneza de 2011, 4:44: O Fim do Mundo permanece inédito nos cinemas brasileiros, além de ter tido uma carreira insignificante ao redor do mundo – passou por outros festivais de menor impacto, como os de Nova York, Paris e Rio de Janeiro, sem maiores repercussões. No entanto, é um trabalho que merece ser apreciado por um público fiel e dedicado, pois este irá encontrar um Ferrara ainda instigante e pertinente, além de se deparar com mais uma performance visceral de Willem Dafoe, um ator que muitas vezes vislumbrou o mainstream, mas que se sai sempre melhor em projetos independentes e diferenciados como esse. São muitas questões e poucas respostas, e são justamente encontros como esses que levam à reflexão e, com ela, ao desenvolvimento. Ainda que seja até o fim do mundo.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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