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Sinopse

Perder uma final olímpica marca de forma determinante a vida de atletas. Três anos depois, Maria Lúcia, a responsável pela derrota, segue brilhando no esporte. Enquanto isso, Adriana vive frustrada, tirando seus sustento de lutas de MMA. Mas, elas ganharão outra oportunidade de brilhar novamente e brigar pelo ouro olímpico.

Crítica

É muito interessante que 4x100: Correndo por um Sonho chegue aos cinemas em 2021. As imagens iniciais dos Jogos Olímpicos de 2016, com espectadores vestindo camisetas verde e amarelo e cobertos com a bandeira nacional, provocam sensações mistas nos tempos em que vivemos. Os símbolos de união de décadas atrás se converteram em apologia a uma extrema-direita raivosa que, ironicamente, retirou subsídios ao esporte e reduziu sua importância dentro dos ministérios. Assim, o projeto oferece não apenas um retorno a fatos ocorridos na última competição mundial, mas também a uma ideia abandonada de “Brasil de todos” e “pátria educadora”. O país de cinco anos atrás era radicalmente diferente deste, de modo que a trama sobre uma equipe viajando até Tóquio em busca de redenção olímpica se aproxima de uma fantasia, seja saudosista ou totalmente fictícia. Problemas de verbas, falta de estrutura ou treinamento, posicionamentos políticos e paralisações relacionadas à Covid-19 estão distantes deste universo-bolha onde as protagonistas podem se concentrar somente no esporte e nas medalhas. Há fatores externos de ordem familiar e sentimental, porém uma vez reunidas sobre a pista, nossas atletas possuem condições de vitória idênticas àquelas das concorrentes. Os diálogos mencionam as pistas esburacadas no Brasil, porém esta depredação passa longe das imagens.

O roteiro representa, simultaneamente, um resgate histórico e uma utopia. A decepção com a passagem do bastão em 2016 ocorreu de fato, mas o texto toma a liberdade de imaginar a vida destas mulheres após os jogos. As protagonistas apresentam trajetos simetricamente opostos: Maria Lúcia (Fernanda de Freitas) vira garota-propaganda, celebrada pelo público, ao passo que Adriana (Thalita Carauta) abandona o atletismo, experimenta o boxe sem sucesso, e leva uma vida de graves dificuldades econômicas. Como de costume em trajetórias de redenção, o valor moral é inversamente proporcional aos recursos financeiros: quanto mais dinheiro, mais mesquinha e fria a pessoa se torna – caso de Maria Lúcia –, enquanto a pessoa pobre demonstra atitudes gentis, inclusive heroicas, resgatando bolsas roubadas e batendo em homens abusadores – caso de Adriana. A narrativa está longe de subverter a fórmula, pelo contrário: o diretor Tomas Portella oferece um cinema de reconforto, tanto pela previsibilidade (é fácil antecipar o que acontecerá às duas protagonistas, assim como o resultado da corrida final) quanto pela crença na superação mágica pela força de vontade. Basta querer muito, se esforçar, engolir os rancores, vencer o orgulho e trabalhar em equipe.

Deste modo, o drama oferece uma espécie de Sessão da Tarde à brasileira, nos sentidos positivo e negativo desta ideia. Dentro do cinema norte-americano, dotado de centenas (milhares?) de histórias semelhantes, esta trama soaria desgastada, repetitiva. Na cinematografia brasileira, entretanto, resta uma lacuna importante para projetos "do meio", nem tão apelativos e exagerados quanto as comédias populares, nem tão ambiciosos e ousados em termos de linguagem quanto o cinema de autor. 4x100: Correndo por um Sonho reúne um time impensável nos créditos, incluindo roteiristas com histórico em dramas, comédias populares e filmes religiosos; um diretor responsável por tramas de terror, ação e comédias românticas; além dos irmãos Gullane na produção, encarregados de algumas das maiores obras autorais brasileiras. A lista de produtores inclui o ator Paulo Vilhena, a atriz Roberta Alonso, intérprete de uma das esportistas, e Débora Ivanov, ex-presidente da Ancine e produtora de filmes díspares como Que Horas Ela Volta? (2015) e Até que a Sorte nos Separe 3 (2015). A obra combina esforços de artistas tão distintos que constitui uma iniciativa análoga ao reencontro das atletas da trama.

Por estes motivos, converte-se num filme importante tanto por suas qualidades quanto pelos defeitos. Na época em que o cinema brasileiro é atacado pela asfixia da Ancine, a paralisação da Cinemateca e a interrupção de verbas para o audiovisual, o filme apresenta uma possibilidade de união entre vozes antagônicas em nome de uma construção capaz de dialogar em igual medida com os críticos e com o público. Na busca pelo “cinema total”, há espaço para um pouco de tudo: instantes de comédia com outros dramáticos e de suspense; menções discretas ao machismo no esporte (com aparência de acréscimo nas versões finais do roteiro) e uma alusão ao lesbianismo, típicas do pensamento progressista, convivendo com o patriotismo padronizado e a crença na meritocracia, compatíveis com o ponto de vista conservador. Nota-se a diversidade de corpos, etnias, temperamentos e histórias entre as cinco personagens: embora algumas histórias paralelas ganhem resolução menos eficiente do que outras (o doping inconsequente, o dilema matrimonial superado abruptamente), é preciso valorizar o painel de personagens múltiplas, dotadas de percursos singulares. Poucas obras populares conferem tamanha importância à personalidade das coadjuvantes, equilibradas por uma montagem ambiciosa, articulando diferentes anos, países, competições e personagens.

Assim, as falhas de 4x100: Correndo por um Sonho se destacam menos do que a ambição por trás da iniciativa. Os efeitos visuais às vezes se tornam artificiais demais, em especial com os fundos desfocados da semifinal feminina. No entanto, em geral, os produtores convencem na tarefa de recriar digitalmente uma viagem internacional e uma disputa em estádio. Alguns diálogos incomodam pelo caráter didático, exemplo das falas sobre a “menina guepardo”, e a explicação do treinador (Augusto Madeira) à atleta (“Você está numa pindaíba de merda”). Entretanto, estes casos são minoritários em relação às sequências de afeto genuíno entre as atrizes, com falas naturalistas pela sempre confiável Thalita Carauta. Determinadas construções da direção exageram nos contorcionismos (a câmera tremida durante a corrida), porém em geral, Portella sustenta o teor contemplativo e o ritmo agradável, além de composições elegantes com os vidros espelhados do estádio japonês e a lesão de uma personagem fora de quadro. Teria sido mais interessante oferecer às protagonistas uma conclusão à altura – a trama se encerra no clímax –, porém feitas as ressalvas, os autores executam um projeto tão profissional em sua construção quanto abrangente nas ambições. Além disso, explora novos registros da talentosíssima Thalita Carauta e confirma o potencial de Priscila Steinman e Cíntia Rosa.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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