Crítica
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Sinopse
Cinco histórias interconectadas em cinco casas diferentes: um garoto cujos pais morreram há 20 anos, um velho fazendeiro num local assombrado, uma freira expulsa da escola onde era a diretora, um jovem sofrendo preconceito por ser gay, e uma professora idosa lutando para manter a sua casa.
Crítica
Um evento banal é porta de entrada para uma jornada de reencontros, surpresas e enfrentamentos. Após anos longe de tudo aquilo que um dia lhe pertenceu, Bruno Gularte Barreto se viu chamado de volta ao lar. Mas não seria um retorno de acolhimento, de resguardo, de abrigo. Era, sim, de retomada. Dos laços, das histórias, dos medos, das aflições. Mas também das lembranças, das memórias, até mesmo das alegrias. Ao entrar mais uma vez na casa onde nasceu, após mais de duas décadas afastado, os velhos fantasmas que por ali haviam ficado, e que seguiam a sua espera, se encarregaram de fazer as honras da casa. A primeira das casas. Pois havia outras a serem abertas, expostas, assumidas. 5 Casas, o filme que nasce desse movimento, é tanto o que está diante de si como também a respeito de tudo que é deixado de lado, que está fora do quadro, das recordações já esquecidas, apagadas, renegadas. É uma obra sobre o que ficou e sobre o que se foi, assim como as caixas abertas pelo vento que revelaram mais do que antigos objetos e fotografias esmaecidas pelo tempo.
Quando um temporal levou algumas telhas de um casebre em ruínas, usado pela família justamente para guardar o que ninguém mais queria ou se importava, o diretor foi chamado a dar um jeito no que havia ficado desabrigado. Fácil teria sido apenas jogar tudo fora e não olhar mais para trás. Mas quem disse que o simples é, também, o mais atraente? Por vezes, são necessárias curvas e acidentes de percursos, pois são pelas trilhas tortuosas onde as surpresas se escondem. Assim Barreto começará essa jornada pelo passado, tendo pela frente um presente bastante real, que parece mármore frente o passar dos anos. A imagem não estática, mas em movimento apenas pelo balançar do pano deixado ao léu, revela dois olhos que hoje precisam criar uma coragem que ontem estava ausente. A necessidade de enfrentar ameaças que apenas impressões difusas as mantém vivas vem de uma certeza frágil, vista como real frente aos acontecimentos recentes, mas quase irrelevante se levada em conta tudo o que se passou, e o pouco que permaneceu.
As cinco casas propostas no título, uma opção controversa, mas justa pelo exercício que mais esconde do que revela que o filme propõe, são responsáveis pelas paradas, relatos e pontuações pelos quais o realizador vai compondo um trajeto dolorido, mas não desprovido de bons momentos. De modo simultâneo, enquanto vai se esmiuçando por escolhas de caráter mais íntimo, quase singelas em suas particularidades e delicadezas, aproveita para oferecer o que o todo aqui reunido irá proporcionar apenas àqueles interessados no conjunto e não apenas nas partes isoladas. Fala-se de uma pequena cidade do interior, de vidas apequenadas por cotidianos idênticos, que prezam a mesmice e rejeitam o novo. Um espaço inóspito para a criatividade, que afugenta a beleza do inesperado e se vê confortável quando rodeada por feições que não destoam entre si. Não é de se admirar, portanto, que Bruno tenha optado por fincar suas raízes bem longe dali. Voltar, porém, não era uma escolha que lhe foi permitida. Antes, uma obrigação há muito adiada.
Da professora da infância aos amigos e conhecidos dos pais já falecidos, do melhor amigo que tanto compartilhou – mas que, por sua vez, ali permaneceu, de cabeça erguida e com ânimo para enfrentar qualquer desafio – chama atenção não mais tanto as diferenças, como antes parecia ser percebido, mas são as similaridades que agora parecem falar mais alto. Aquela que não se deixa amedrontar pelo rechaço público, o que não perde a altivez mesmo após a maior das agressões, a indecisa entre uma promessa feita na juventude e as obrigações que a perseguem até hoje, o que não teve como realizar o último sonho. Pedaços de contos deixados ao relento, que o diretor vai juntando como se preciosos fossem – e assim o eram, nem que ao menos àqueles que os viveram. O teor subjetivo e aberto à interpretação é parte imprescindível do processo, tanto para o bem, quanto para o mal. Pois se há momentos de puro lirismo, há também excessos e becos sem saída, indecisos entre um hermetismo desnecessário e uma angústia desprovida de eco.
A opção por fazer uso de uma narrativa em voz própria poderia incentivar o quão pessoal o retrato se prontifica, mas o tom escolhido por Bruno Gularte Barreto por vezes acaba por provocar mais rejeição do que empatia. A ausência de sentimento, ou o quanto esse se mostra contido, revelando-se aos poucos e com cuidado, faz da experiência proposta por 5 Casas por vezes sofrida, em outras tantas árida em demasia. Seu discurso não pode ser ignorado, e a leitura a partir da hipocrisia daqueles que se julgam corretos, figuras constantes num interior desprovido de emoções, é certeira. A reflexão não é oferecida de forma gratuita, mas aos pedaços, exigindo em troca o esforço não apenas na conexão, mas também no preenchimento dos espaços deixados propositalmente em vão. O resultado, assim, é instigante o suficiente para justificar um olhar apurado. E que seja apenas o começo de um futuro além das possibilidades aqui reunidas. Pois se no antes tanto foi recuperado, nada mais justo do que esperar que o depois seja ainda mais auspicioso.
Filme visto durante o 31º Cine Ceará, em Fortaleza
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