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O ano de 1968 ficou marcado na História por conta de uma série de revoltas ao redor do mundo, de demonstrações veementes de um anseio popular de mudanças sociais substanciais. O cineasta francês Patrick Rotman faz de 68 um filme memorialístico, construído com imagens de arquivo que remontam a momentos determinantes desse ano que parece não acabar, servindo de intervalo simbólico às futuras gerações. Prioritariamente coloridos, os registros oriundos de diversas fontes são encadeados de acordo com sua natureza cronológica, a fim de criar um painel amplo dos levantes que foram dos Estados Unidos convulsionados pela controversa campanha no Vietnã à ebulição nas ruas da Checoslováquia. É um recorte preciso, que começa exatamente perscrutando a situação estadunidense dentro e fora do domínio “inimigo”, contextualizando a estratégia dos invasores, no caso o séquito do Tio Sam, contra os vietcongues, numerosa e belicamente inferiores. Os vislumbres dão conta do cotidiano de barbaridades norte-americanas a uma gente que revida.
A narração funciona como uma linha cerzindo os fragmentos. Dessa forma, a exploração cinematográfica dos excertos audiovisuais, potentes isoladamente, ganha contornos geopolíticos por meio da explanação das circunstâncias. Assim, se soma ao impacto do testemunho de soldados ianques empilhando uma grande quantidade de cadáveres vietnamitas a sordidez dos bastidores de uma invasão/ocupação. Tal justaposição ganha camadas, sobremaneira, quando o realizador mostra a juventude indignada com a conduta de seus governantes que continuam aprovando o envio de garotos ao front para morrer numa contenda da qual pouco ou nada entendem. Para conferir ainda mais potência a essa arqueologia de uma época de utopias fervilhantes, Rotman lança mão de uma expressiva trilha sonora. Dessa maneira, enquanto vemos jovens negros protestando nas ruas da capital, ouvimos Jimi Hendrix e sua guitarra emblemática, o que enleva a já forte carga atmosférica.
O maior mérito de 68 é, paulatinamente, comprovar a existência de uma espécie de zeitgeist revolucionário no ano em questão, cujo epicentro geralmente estava na esfera estudantil, mais precisamente nas universidades. Saindo do território dos EUA, Patrick se detém com semelhante afinco aos episódios do inesquecível maio de 68, no qual secundaristas, operários, cineastas, entre outros setores da sociedade, paralisaram a França em repúdio à figura e à administração conservadora do general Charles de Gaulle. É impressionante a pujança de algumas imagens, como as que dão conta das atividades no Quarier Latin, com rapazes e moças ensanguentados após confrontos violentos com a polícia. François Truffaut, Jean-Luc Godard e outros representantes da classe cinematográfica surgem interrompendo o Festival de Cannes daquele ano para demonstrar solidariedade a quem aderiu às greves gerais, seguidas aos primeiros eventos públicos de desagravo ao presidente que resistiu na marra.
Este documentário é uma radiografia de diversas batalhas perdidas, mas que foram travadas pelo dissenso entre os desejos populares e o comportamento dos estadistas. O mundo se articulava em direção a uma possível guinada definitiva, mas 68 deixa claro, não sem um tom melancólico, que os poderosos souberam asfixiar o descontentamento, retomando estrategicamente as rédeas das nações, vide o que aconteceu na chamada Primavera de Praga. Os casos dos Estados Unidos, Checoslováquia e França são os pilares essenciais do longa-metragem, que menciona as revoltas mexicanas, japonesas e latino-americanas, às vezes valendo-se de imagens, noutras apenas verbalmente. Embora omita conjunturas importantes, como a resistência de uma parcela da população brasileira à Ditadura Civil-Militar no mesmo período, 68 consegue esquadrinhar a essência de uma insatisfação praticamente generalizada, bem como expor os mecanismos de defesa das hidras apegadas aos tronos, pois sedentas de poder.
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