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Crítica


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Sinopse

Na cidade de Toulouse, na França, o policial Jean descobre seu filho Maxime e o namorado dele, Kevin, mortos num hotel. Na autópsia, são revelados traços de cocaína e GHB em ambos os corpos. O pai, então, começa a investigar o que realmente aconteceu. No processo, conhece Fabien, que trabalha na boate Bisou, por meio do qual descobre uma faceta até ali desconhecida do filho morto.

Crítica

O luto sempre foi um tema bem aproveitado pelo cinema por se tratarem de duas experiências do tempo. Em ambos os casos, há controle limitado quanto ao estímulo externo, provocando-nos de acordo com nossas vivências, ou seja, com a proximidade em relação ao falecido ou ao tema retratado em tela. Tanto na morte quanto nos filmes (que são, em si, registros de uma vida, seja ela fictícia ou não), somos conduzidos através de um processo cuja duração acontece apesar de nós: ninguém estará pronto para lidar com a perda de um ente querido, assim como nunca se possui previamente a sensação exata de uma projeção por vir. Ao mesmo tempo, o luto representa um acontecimento não-imagético, fornecendo um desafio interessante aos melhores diretores por possibilitar a criação de metáforas sobre uma dor íntima. A compreensão da perda pode passar pela apatia ou pela máxima expressividade, pela implosão ou pela implosão. O luto também pode ser recalcado, jamais plenamente concluído, o que representa um banquete de opções ao cinema focado em personagens. Ao mesmo tempo, trata-se de um conflito universal: todos nós já vivemos, ou vamos viver, a tristeza de dizer adeus a uma pessoa próxima.

Com estas considerações em mente, cabe destacar que 7 Minutos (2020) parte desde os primeiros minutos para a investigação da morte, adotando o olhar da pessoa externa mais diretamente afetada. No caso, Maxime (Valentin Malguy) é um jovem gay cuja relação com drogas teria provocado o falecimento precoce. O pai, Jean (Antoine Herbez), incapaz de aceitar a perda do garoto, passa a investigar as circunstâncias exatas do ocorrido, suspeitando de algum ato criminoso envolvendo o filho. Na dificuldade de aceitar a responsabilidade de Maxime na própria morte, o homem consternado cria uma narrativa de suspense em sua cabeça, cabendo ao espectador descobrir ao longo da trama se as confabulações possuem qualquer relação com os fatos. É curioso que o longa-metragem de Ricky Mastro, diretor especializado em produções de temática LGBT, seja contado pela perspectiva de um dos poucos personagens heterossexuais em cena. Ao mesmo tempo, surpreende que a investigação da juventude inconsequente provenha dos olhos de uma geração anterior. Podendo fornecer o ponto de vista interno à comunidade, o diretor prefere adentrar sua temática de fora, dirigindo-se a um espectador que supõe desconhecer a realidade retratada.

Apesar do evidente respeito pelos personagens, o drama sofre com problemas de ritmo. Primeiro, os fatos se desenvolvem com rapidez excessiva tanto para o tema da morte, quanto para o possível suspense policial (incluindo uma improvável história de amor). Crises envolvendo remédios, saltos entre o passado e os dias de hoje, e a supressão do funeral dentro da trajetória do pai prejudicam a identificação com o mesmo. Segundo, teria sido fundamental conhecer melhor o relacionamento prévio deste homem conservador com o garoto falecido para nos identificarmos com a dor da separação. Ora, temos a impressão de que nunca houve de fato uma proximidade entre eles, razão pela qual o luto se torna menos intenso. Mesmo se recorrer a flashbacks ou recursos explicativos, teria sido possível fornecer símbolos para compreendermos em que medida o pai aceitava a sexualidade do filho, e de que modo a questão era percebida dentro da família. A narrativa demonstra dificuldade em articular atividades simultâneas: a partir do momento que a vivência do pai em casas noturna se transforma em obsessão (para Jean e para o filme), não sabemos como o afeto por outros personagens e as obrigações de trabalho são impactadas pela busca frenética.

Em paralelo, 7 Minutos repete suas metáforas, diminuindo o impacto destas. Os encontros entre Jean e Fabien (Clément Naline) no café se reproduzem com os mesmos ângulos, a mesma trilha sonora, uma pessoa solitária lendo um livro ao fundo do enquadramento. Nas ruas, praticamente não há carros, transeuntes ou ruídos. A cena com o cheiro da camiseta do filho diante do espelho (uma das analogias mais clássicas do luto, explorada em inúmeros dramas) também se repete, com funções muito semelhantes dentro da trama. Falta dinamismo ao desenvolvimento deste escritor que nunca escreve, este pai mais consternado do que sofredor, este investigador sem interesse real em destrinchar meandros da tragédia (o próprio título sugere uma brecha ao thriller que jamais se concretiza). Em sua jornada, o herói talvez busque inconscientemente por um filho substituto, ou então reproduza o amor incompreendido do rapaz por outro homem, e ainda se confronte à experiência de morte (tão próxima do gozo) vivenciada pelo falecido. Todas essas possibilidades constituem leituras válidas a partir da intensa premissa, porém ficam a cargo do espectador, não sendo aprofundadas pelo roteiro. Resta a deambulação por ambientes silenciosos demais, com interação limitada entre personagens.

Embora discuta uma realidade contemporânea, acenando aos perigos do abuso de drogas e à aceitação progressiva da homossexualidade por parte das famílias modernas, o drama remete aos moldes clássicos do cinema LGBT de duas décadas atrás, focado na tragédia enquanto horizonte inevitável aos gays que vivem sua sexualidade intensamente. Os corpos são padronizados, pertencendo em sua grande maioria a rapazes brancos e magros, numa idealização da beleza que diminui a diversidade do retrato. Existe tanta preocupação por parte da câmera em explorar os corpos dos homens quanto em esconder genitálias e impedir ângulos mais explícitos. A fotografia, sem muito contraste e excessivamente nítida, ajuda a padronizar as peles e os contatos íntimos, além de reforçar a assepsia dos apartamentos limpos, arrumados demais. Retrata-se um luto com medo de se sujar, sangrar, gritar, chorar, quebrar coisas. Mastro prefere o grito preso à garganta, a investigação que não incomoda ninguém a redor, e o amor (pelo filho, pelos outros garotos) incapaz de colocar em risco a estabilidade rotineira deste homem. Em suma, o resultado é tão admirável pela produção coesa quanto frio em sua construção estética. O ideal de elegância não invalidaria uma investigação mais visceral da tristeza.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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