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Crítica


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Sinopse

Bastidores de uma jornada rumo ao desfile carnavalesco da Portela, uma das mais tradicionais escolas de samba.

Crítica

As lágrimas de tristeza e a frustração que marcam o encerramento de 82 minutos não seriam tão significativas ao espectador, sobretudo àquele que antes desconhecia o trabalhoso processo de elaboração do desfile de uma Escola de Samba, sem a habilidade do diretor Nelson Hoineff para dissecar técnica e emocionalmente as diversas etapas que culminam na Praça da Apoteose. Diferentemente de outros enfoques, detidos nos minutos em que os carros alegóricos, as passistas, as baterias, enfim, em que as agremiações percorrem o endereço mais famoso do Carnaval, o deste filme se concentra nos preparativos, no investimento prévio de emoção, dedicação e suor, elementos imprescindíveis à realização da festa que enche os olhos do mundo. O envolvimento da comunidade de Madureira, bairro onde fica a sede da Portela, aparece, de cara, na escolha do samba-enredo. O resultado se pode antever pela participação da plateia que canta o vencedor antes mesmo dele ganhar a voz oficial do puxador.

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A abordagem de Hoineff é essencialmente funcionalista. A Portela é vista como um organismo cujo desempenho está intrinsecamente ligado ao bom comportamento de todos os seus “órgãos”, simbolizados pelas alas. Somente assim há a harmonia necessária à pulsação na avenida. Prescindindo de entrevistas ou narrações, o diretor cria uma experiência calcada em sua potência sensorial, bastante dependente do ritmo da montagem, bem como o sucesso das Escolas de Samba em muito é subordinado à cadência da bateria. Nesse sentido, o editor Rodrigo Pastore pode ser considerado coautor, pois sua contribuição é de suma importância para que as mais de duas horas do documentário não se arrastem como algo enfadonho. 82 Minutos é um estudo minucioso, porém parcial. Mesmo não se furtando de revelar contratempos e discordâncias, desacertos de compasso no andamento de determinadas atividades, o faz timidamente, já que se trata de uma celebração do esforço portelense.

82 Minutos deflagra a resistência da dimensão popular do Carnaval, esta que só pode ser conferida nos bastidores, nas quadras onde centenas de apaixonados fazem, neste caso, da Portela a sua vida, ou seja, longe dos olhares do público que não raro paga caro para estar nas arquibancadas de uma comemoração nascida para agradar à massa, que hoje, infelizmente, acompanha tudo pela televisão. Entretanto, Hoineff não amplifica essa constatação, justamente porque evita fazer qualquer observação mais ferina sobre a indústria que fomenta os desfiles de fevereiro, preferindo manter-se concentrado na análise apaixonada dos pormenores que permitem uma Escola de Samba concorrer no Grupo Especial. Alguns personagens sobressaem nesse percurso laudatório, tais como a chefe das passistas, a coreógrafa da comissão de frente e o mestre da bateria, eles que ganham mais tempo de tela, justamente em virtude da relevância de suas atribuições para o sucesso da Águia Altaneira.

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Há alguns desperdícios pontuais que depõem contra 82 Minutos. Hoineff subaproveita o potencial individual de certos componentes da Portela, ainda que esboce fechar suas lentes sobre eles. Exemplo dessa indecisão entre estreitar o foco ou manter o tratamento amplo é a rápida mirada na atividade do mestre sala como enfermeiro. Tal fragmento sugere um tipo de interpelação aqui inexistente, sendo uma atenção isolada, deslocada assim como o comentário apenas pontual acerca da denúncia de favorecimento administrativo, uma vez que o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, teria indicado empresas para patrocinar a agremiação, pois portelense de carteirinha. Hoineff utiliza a energia decorrente desse instante para reforçar o elogio à tenacidade originária de Madureira, ao mostrar os integrantes transformando a acusação em força para fazer bonito na Marquês de Sapucaí. A despeito das inconstâncias e das passagens que configuram reiteração contraproducente, o longa-metragem cativa pela clareza da radiografa da Portela como um ser vivo e vibrante.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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