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Crítica


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Sinopse

Dennis Nash perdeu a sua casa por conta da hipoteca e teve que se mudar para um hotel simples com sua mãe e seu filho pequeno. Desesperado para reaver seu lar, ele aceita trabalhar com o imoral agente imobiliário Rick Carver, que foi a pessoa responsável pela sua perda. Logo, ele tem que ajudar Carver a expulsar outras pessoas e a desviar dinheiro do governo. Enquanto seus problemas financeiros desaparecem, a consciência de Nash passa a atormentá-lo.

Crítica

Na primeira cena de Trabalhando para o Inimigo, a câmera se desloca lentamente do relance de um corpo morto, das marcas de sangue na parede que denotam suicídio, para o semblante praticamente impávido de Rick Carver (Michael Shannon), agente imobiliário cuja rotina é feita de executar ordens de despejo, geralmente por inadimplência hipotecária. Não há sinais de consideração, algo reforçado pelo diálogo seguinte, em que esse homem se mostra mais preocupado com procedimentos burocráticos que com a vida perdida. Semelhante ao carrasco que faz faltar o chão ao condenado com a corda no pescoço, ele não deixa sentimentos influenciarem a rotina, já que seu trabalho é justamente dar más notícias e garantir que famílias sejam desabrigadas, tomando partido dos bancos credores. O diretor Ramin Bahrani incute neste filme um tom denunciatório, que expõe a ganância dos órgãos financeiros, a desumanidade de seus agentes, bem como a conivência do Estado.

Dennis Nash (Andrew Garfield) perde o emprego no ramo da construção, depois a casa em que morava com o filho e a mãe, ou seja, é afetado duplamente pela crise imobiliária que assolou milhares de norte-americanos. A turbulência é convertida em oportunidade por tipos como Carver, que lucram ainda mais frente ao desespero alheio. Sem muitas saídas, morando temporariamente num local apinhado de gente na mesma situação, Nash se torna funcionário do homem que pouco antes lhe ordenou deixar sua propriedade. O conflito moral não demora a surgir, e a se impor como grande motor de Trabalhando para o Inimigo. Bahrani projeta um caminho conhecido, o que leva alguém aparentemente sem saída a encontrar soluções, desde que penhore princípios e outros atributos essenciais. Nash se habitua com certa facilidade à nova função, perdendo gradativamente o pesar nos procedimentos de despejo.

O homem é refém das circunstâncias. Essa é a mensagem reforçada constantemente em Trabalhando para o Inimigo. Ainda que seja passível de reprovação, o personagem de Garfield toma determinadas decisões por necessidade. Só passamos a condená-lo, de fato, quando a ganância sobrepuja o altruísmo, a partir do momento em que o instinto de sobrevivência dá lugar à intenção de acumular. A mãe, interpretada de maneira apagada por Laura Dern, e o filho são suas âncoras morais. Enquanto isso, Carver, alçado à função de mentor, como o Mefistófoles que promete o mundo a quem ceder-lhe a alma, alimenta sua ambição. Nash começa a perder o contato com o que verdadeiramente importa. Há mesmo algo de Fausto, a famosa obra de Goethe, neste drama que não prima pela sutileza, já que tudo nele é muito escancarado, desde as crises existenciais do protagonista até as demonstrações de frieza do patrão.

Andrew Garfield e Michael Shannon são os destaques deste filme que não possui suporte periférico à altura da dualidade central. Os demais personagens acabam como elementos decorativos, sem estofo suficiente para impor-se por quaisquer singularidades que, assim, sucumbem diante do pendor ao arquétipo. Ramin Bahrani tenta manter o clima de tensão no ar, valendo-se para tal da câmera na mão, entre outros artifícios que, também, visam tornar mais próximo do espectador os problemas postos à mesa. Isso fica evidente nas cenas de despejo, excertos de grande carga emocional que ressoam as questões precedentes e nutrem as subsequentes. A despeito das inconstâncias, há um olhar desiludido sobre os poderes que, inevitavelmente, regem a vida das pessoas, entre eles as grandes corporações, que se valem de esquemas nem sempre lícitos, e a própria fragilidade individual, potencializada muitas vezes pela conjuntura das coisas.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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