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Sinopse

Um seminário sobre o papel das mulheres como inspiração da arte é promovido por um professor de filosofia. As discussões tomam um rumo inesperado, pois as alunas sendo todas atrizes.

Crítica

A poesia e, mais especificamente, o papel histórico das musas como fonte de inspiração é o objeto de estudo de um professor de filologia e de seus alunos que criam a chamada Academia das Musas. Em princípio, persiste a sensação de vermos um documentário. A imagem parece amadora e o desenrolar das conversas soa praticamente didático. Contudo, há um aprofundamento progressivo na investigação do criar artístico e de seus subsídios. Amor e ciúme, por exemplo, são questionados, desmontados e remontados sob a perspectiva de um mestre que os considera provenientes, em grande parte, da mente fértil dos escritores. Como parte de diálogos domésticos, a esposa do professor coloca em xeque esse processo pedagógico e rebate algumas de suas afirmações profissionais, criando assim um curto-circuito. Em A Academia das Musas prevalece o escrutínio, a argumentação sobre teses nascidas dessa partilha e da problematização do conhecimento.

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Cada fragmento de descoberta intelectual prepara o terreno para o próximo, numa construção essencialmente oral que segue o fluxo de aprendizado em sala de aula. No começo ainda temos a presença masculina na plateia, mas aos poucos essa representatividade se restringe ao professor. Do alto de sua posição privilegiada, ele, um homem, se arvora a tecer pretensas verdades – por certo baseadas em anos de pesquisa – a respeito da natureza feminina, das atividades delas que desaguam do âmbito criativo para o cotidiano e vice-versa. A certa altura, ele mesmo adverte a aluna deslumbrada com a beleza da estátua de uma musa, chamando a atenção para o fato de a obra ser produto do trabalho masculino, ou seja, embora belo, parcial e restrito, pois fundamentalmente estrangeiro. E essas provocações intelectuais se sucedem criando um espaço de pensar.

A Academia das Musas ganha camadas, inclusive visuais, ao negar a academia como único território físico de produção e disseminação do saber, semeando a possibilidade do conhecimento ampliado. Em particular, duas incursões externas são significativas. A coleta de dados em meio aos pastores, além de dar subsídios para desdobramentos posteriores, mostra a uma das alunas a potencialidade do amor fugaz e, segundo ela própria, neste caso, estritamente ligado à noção literária de paixão. Já o posterior envolvimento do mestre com outra estudante, algo visto por ele como parte indissociável não apenas de seu método, mas das teses defendidas, propicia uma virada importante, movimento que até então se insinuava nas entrelinhas. Enciumada, a esposa do professor reclama sua posição, uma reação “mundana” que se comunica com as discussões da universidade. Seria, igualmente, uma resposta à estrutura sentimental defendida por artistas ao longo dos tempos.

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A diversidade feminina é representada pelas alunas mais próximas do professor e de suas ideias, sem que isso tipifique as personagens ou as enquadre restritivamente em arquétipos. A narrativa tem um registro formal enganosamente simplista, pois o privilégio da palavra em detrimento (relativo) da imagem é o dispositivo pelo qual a complexidade do filme emerge. Recorrentemente citando Dante Alighieri e a musa Beatriz, que teria inspirado, entre outras obras, A Divina Comédia, o protagonista encabeça uma investigação sem pretender esgotamento, pois ciente das contradições e da flutuação do comportamento humano que amparam seu estudo. A Academia das Musas é uma realização instigante, insólita, do tipo que não vemos comumente, bastante recompensadora por sua proposição de escarafunchar a nascente das emoções e das relações.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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