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Sinopse

Após anos exilada, Nie Yin Niang regressa ao seio de sua família. Exímia em artes marciais, ela se tornou uma justiceira no caminho dos tiranos. Mas, uma ordem de seu mestre implicará num dilema ético e pessoal.

Crítica

A excelência da construção visual de A Assassina salta aos olhos desde o primeiro relance do prólogo totalmente filmado em preto e branco. Nie Yinniang (Shu Qi), matadora sem igual, elimina um homem que cavalga na floresta, com beleza ritualística, passando a navalha em seu pescoço, num movimento que alia leveza e letalidade. Um pouco mais adiante, porém, ela hesita no instante de assassinar novamente, pois a vítima em questão segura uma criança nos braços. Repreendida por sua mestra, a monja para quem os sentimentos puramente ordinários contaminam a arte de abreviar a vida de alguém, ela recebe a dura missão de voltar ao lugar de onde veio, especialmente para dar cabo do primo ao qual um dia já foi prometida. A partir daí, o filme do cineasta Hou Hsiao-Hsien ganha uma configuração imagética completamente distinta do ponto de vista cromático, deixando para trás a oposição marcada, a dualidade do claro e escuro, passando a exibir uma pluralidade impressionante de matizes.

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Regressa à província natal, cuja trajetória de resistência contra os desmandos da corte imperial é celebrada com orgulho, Yinniang move-se como um fantasma, entidade descolada daquela realidade mais palpável, em princípio tentando manter-se alheia a tudo que envolve as relações vigentes e as de outrora. Não é fácil situar-se com clareza em A Assassina, principalmente porque as intrigas e as particularidades da trama palaciana são postas à mesa de maneira fragmentada, exigindo, assim, do espectador que ele se atenha cuidadosamente a cada nome, ao menor dos detalhes, sob pena de, caso contrário, perder-se no emaranhado de referências que as pessoas fazem às histórias e aos meandros, alguns esclarecidos adiante. A esse procedimento incomum, que rechaça a disposição linear das informações, ainda que não de todo, mas essencialmente, se junta a inclinação de Hsiao-Hsien à elipse, à atração menos pragmática entre os segmentos, ao privilégio do lirismo residente nas frestas, nos vãos.

As aproximações entre Yinniang e os membros de sua família são carregadas de ressentimentos, nódoas devidamente guardadas e pouco postas para fora. Hsiao-Hsien configura sua câmera como uma testemunha muitas vezes distanciada, pela discrição com que captura os momentos de tensão, ora por entre os véus do palácio, ora ao longe, em duelos que podem ser tanto literais quanto metafóricos, quando não ambos. Pesa sobre o longa uma lentidão excessiva, que decorre do desenvolvimento deliberadamente arrastado, detido em detalhes de importância nem sempre justificável. Embora celebrado como um exemplar de artes marciais, registro inédito na filmografia de Hsiao-Hsien, cineasta mais afeito a dramas urbanos, A Assassina nega o protagonismo à ação propriamente dita, mesmo quando permite ao espectador a contemplação dos combates. Essas lutas sem energia, destituídas de contornos épicos ou catárticos, são interrompidas antes de qualquer ápice dramático.

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À exuberância visual e às aspirações poéticas, contrapõe-se em A Assassina o desenvolvimento demasiadamente truncado, entrecortado por ocasiões que nem bem começam e já terminam, sem deixar heranças, sobretudo, emocionais. A composição dos quadros, instância elevada à categoria de verdadeira arte por Hsiao-Hsien, provoca estesia, sensação, contudo, insuficiente para amenizar os diversos problemas que contribuem à frieza do resultado. A solenidade inerente aos impérios, exteriorizada nos inúmeros protocolos a serem cumpridos para a entrada desta ou daquela figura em cena, contamina o andamento da história de tal forma prejudicial que é difícil criar empatia pelos personagens, quando muito certo grau de compaixão, já que seus destinos trágicos advêm da tradição cega e do mistério, dimensão esta evocada insuficientemente para determinar ou significar algo. No que concerne à reação provocada, o filme de Hou Hsiao-Hsien oscila constantemente entre o encanto e o enfado.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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