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Crítica


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Sinopse

Uma menina órfã foge a Paris no fim do século 19 para perseguir o sonho de se tornar uma grande bailarina. Para isso, tem de se passar por outra pessoa e viver aventuras.

Crítica

O cinema de animação é um monopólio hollywoodiano. É raro, portanto, que exemplares do gênero oriundos de diferentes nacionalidades cheguem às telas brasileiras. Muito disso se deve a um comodismo dos distribuidores nacionais, é claro, já acostumados a desovarem por aqui sempre os produtos dos mesmos e já reconhecidos estúdios, mas há muito também de desconfiança neste processo. Afinal, quem gosta de desenho animado, em tese, são crianças, um público que representa grande fatia do atual mercado espectador. Por isso, é preciso agradá-lo com apostas certeiras e com diminuta margem de risco. Dentro deste cenário, uma opção como este A Bailarina, coprodução entre França e Canadá realizada ao custo de US$ 30 milhões (relativamente baixo, se comparado a similares norte-americanos), chega a soar, num primeiro instante, como um sopro de originalidade. Mas não se engane: a procedência pode parecer fora do comum, mas a fórmula seguida é exatamente a mesma já velha conhecida.

Félicie é uma jovem órfã que sonha... com os pés! Tudo o que faz é se equilibrando na ponta dos dedos, entre um passo e outro, cada vez mais elaborados e desafiadores. A seu dispor para esse “treino” improvisado, no entanto, tem apenas mesas, cadeiras, pratos e até telhados do orfanato onde vive, no interior da França. Isso até Victor, seu melhor amigo, elaborar um plano para que os dois consigam fugir dali e partir em busca de uma vida melhor: ele quer ser inventor, enquanto que ela almeja se tornar bailarina do Grande Teatro de Paris. Ainda que aos trancos e barrancos, conseguem ~parcialmente~ atingir o que pretendiam. Isso porque ele acaba trabalhando como auxiliar de um cientista de verdade, enquanto que ela começa sua aventura pelo mundo do balé sob uma falsa identidade. E não tardará para que a verdade lhe alcance.

A jornada principal de A Bailarina, como não poderia deixar de ser a partir de um título como esse – que é também seu batismo original – é a da menina. Ela não hesita em mentir (para o professor e colegas de balé), enganar (a tutora acidental que aceita lhe ensinar os passos básicos) ou fugir de suas responsabilidades (como na véspera de sua maior prova). É uma personagem, como logo se percebe, de difícil afeição. Rapidamente esquece do amigo que por ela é secretamente apaixonado, deixa se levar pelo suposto glamour desse novo mundo que está descobrindo e se encanta por um jovem bailarino na primeira menção de interesse por parte dele. Victor, por outro lado, ainda que menosprezado pela narrativa, possui um arco mais interessante. Percebemos, ainda que apenas por vislumbres, do que está abrindo mão em nome de sentimentos mais profundos, e mesmo em suas atividades profissionais ele tangencia grandes feitos, como na proximidade que estabelece com a construção da Estátua da Liberdade (ainda antes da escultura ser doada pela França aos Estados Unidos). É de se lamentar, portanto, que os diretores Eric Summer e Éric Warin não invistam mais no rapaz.

Da mesma forma não merecem maiores atenções outros coadjuvantes de respeito, como a ex-bailarina Odette (que foi a melhor em seu tempo, mas que também esconde uma tragédia em seu passado) e o mestre que aceita a garota recém chegada em sua classe, que mesmo percebendo seu evidente despreparo, consegue identificar nela algo bruto, porém poderoso, a ser trabalhado. Já a concorrente Camille e sua mãe invejosa são tratadas com igual desrespeito, sendo abordadas apenas superficialmente, sem que haja esforço para se ir além do clichê esperado. Estruturas que apenas provocam um sentimento de pesar no espectador mais atento, que encontra em cena não mais do que a velha história do azarão que acaba se dando bem no final, ainda que não seja inteiramente merecedor deste reconhecimento.

Se o próprio nome já direciona este longa para um público estritamente feminino, mais acertada foi a posição da distribuidora norte-americana, que o rebatizou como Leap! (algo como Salto, mas que pode ser entendido tanto no sentido da dança como no modo figurado, como um “salto de fé”). Tal denominação aposta no caráter mais universal da trama, ainda que a mesma não se esforce para investir inteiramente nesta visão. Assim, perde-se a chance de discutir a diversidade – como a presença de um menino dançarino – e até mesmo fatos históricos – a história se passa no final do séc. XIX. Enfim, A Bailarina é uma obra que até encanta os olhos – a sequência final é particularmente bonita – mas não consegue ir além do entretenimento passageiro. Diverte, da mesma forma que é ineficaz diante de qualquer análise mais detalhada. Como um belo giro que, no entanto, acaba não saindo do mesmo lugar.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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