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Crítica


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Sinopse

Um piloto britânico e um garoto holandês lutam uma guerra em lados contrários. Mesmo assim, ambos perseguem o ideal da liberdade. E isso fica claro na Batalha do Rio Escalda, momento histórico repleto de tensão e atos de bravura, como os da jovem que vai desafiar os alemães para salvar o seu irmão.

Crítica

A Segunda Guerra Mundial é uma fonte praticamente inesgotável de histórias. Além da quantidade enorme de episódios, há os incontáveis pontos de vista. Cada participante desse evento de proporções e consequências catastróficas teve uma perspectiva muito específica/única a respeito de coisas como batalhas, resistências, fugas, ataques, revanches ou mesmo das tentativas árduas de sobreviver ao largo dos tantos embates. A Batalha Esquecida é uma superprodução holandesa que apresenta alguns dramas convergentes na essencial Batalha do Rio Escalda. O confronto foi fruto das operações militares lideradas pelo exército canadense e garantiu segurança ao desembarque de suprimentos e contingente humano dos Aliados Ocidentais nos portos da Antuérpia. Os livros de História mencionam essa manobra como primordial ao que veio a ser a derrota dos países do Eixo liderados pela Alemanha nazista. Dentre tantas narrativas sobre a operação que levou milhares de pessoas à morte – dos dois lados da contenda e de civis/inocentes –, o cineasta Matthijs van Heijningen Jr. escolheu três personagens de trincheiras antagônicas. A primeira é Teun (Susan Radder), jovem local, filha de um médico que atende os feridos (independentemente da bandeira) e irmã do rapaz que acaba se tornando alvo prioritário dos nazistas após causar a morte de três soldados germânicos. Ela é a civil convocada a lutar.

O segundo é William (Jamie Flatters), membro da aeronáutica britânica. Mesmo a contragosto do pai (militar de altíssimo escalão), ele decide se juntar aos conterrâneos durante a campanha do Rio Escalda. É o soldado imbuído de bravura que fará de tudo para completar a missão. Por fim, o terceiro é Henk (Coen Bril), holandês lutando do lado nazista. Ele é apresentado já ferido numa cama de hospital, tendo diálogos desalentados com seu colega alemão que perdeu as duas pernas. Henk é a figura atravessada pelas encruzilhadas morais, uma vez que se coloca, inclusive, numa posição contrária a de muitos compatriotas que prefeririam resistir à dominação alemã. A Batalha Esquecida trabalha separadamente as situações que envolvem os três protagonistas. O filme não investe tanto num jogo de semelhanças insuspeitas que poderia tornar ainda mais densa a identificação entre essas pessoas. Em que pesem as diferenças, todos ali desejam ser felizes. Teun é vista em meio às reprimendas ao pai por atender inimigos (e o filme não se abre ao dilema do médico), bem como buscando garantias de que o irmão não caia nas mãos nazistas; William ensaia ser caracterizado pela impetuosidade que o faz afrontar o pai, mas se torna “útil” ao filme pela forma como demonstra tenacidade em circunstâncias adversas; já Henk talvez seja o mais "achatado" deles, pois suas crises não são aprofundadas.

A Batalha Esquecida tem algumas cenas/sequências bonitas – claro, dentro do que pode ser belo numa lógica aterradora como a da Segunda Guerra Mundial. A investida dos aviões e planadores britânicos sendo rechaçada pela artilharia antiaérea alemã é apresentada quase toda de dentro do avião de William. Isso convida o espectador a sentir um pouco da tensão de homens prestes a se esborracharem na água. O alinhamento das aeronaves e as conversas frugais antes da manobra são observados com um misto de serenidade e expectativa. Da mesma forma, algumas formações de soldados marchando contra o pôr-do-sol, tomadas aéreas de amplas zonas encharcadas, o trânsito pelas trincheiras apinhadas de homens umedecidos pelo suor e pela água da chuva, são vislumbres que garantem intensidade dramática e veracidade. Mesmo que não ultrapasse em vários instantes a natureza superficial da guerra – correr, atirar, sobreviver, se esconder, etc. –, o longa-metragem parece, ao menos, sempre voltado à constatação de que uma situação como aquela sequer deveria existir. Uma pena que Matthijs van Heijningen Jr. não enfatize determinados pormenores das jornadas humanas, com isso perdendo de vista boas possibilidades. Ainda assim, o resultado é positivo. E isso tem a ver com o esmerado desenho de produção e uma competência no geral para apresentar ações e reações.

É fácil de imaginar – até por conta das missões que cada um assume – que os três protagonistas de A Batalha Esquecida se encontrarão em algum momento do filme. Teun mora na cidade onde as coisas acontecem, William está se dirigindo para lá a fim de garantir o sucesso da empreitada dos Aliados Ocidentais e Henk é transferido à localidade depois de se recuperar dos graves ferimentos. E provavelmente essa fatídica cena do encontro seja a mais bonita e dolorosa do filme. Ela carrega uma noção implícita de que o horror os reuniu num instante bastante específico que nada tem de grandioso, épico ou redentor. Realmente é uma lástima que ao longo das trajetórias paralelas dos três, Matthijs van Heijningen Jr. não os enxergue com a complexidade que eles ensaiam ter. Teun poderia ser bem mais aproveitada dentro dessa ideia de alguém comum levada a tomar decisões e se tornar uma peça fundamental às resistências anti-nazista; William tem praticamente descartada qualquer importância atrelada à sua origem, de certa forma nobre, dentro da hierarquia do exército britânico (pouco importa ele ser filho do sujeito de alta patente); e Henk é muitas vezes restrito a emitir sinais físicos de um impasse moral que gradativamente toma conta de sua existência. Sem contar que é um pouco ingênua a forma como ele se dá conta dos horrores da guerra apenas de um ponto em diante – como se antes estivesse cegado. Se a ótima reconstituição de época e a boa dinâmica narrativa fossem acompanhadas de um mergulho na humanidade e nas subjetividades dos personagens, o longa holandês ganharia consistência.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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