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Sinopse

Em A Casa, após a morte do pai, três irmãos retornam ao endereço onde cresceram. Eles pretendem vender o imóvel e seguir caminhos diferentes. Mas, à medida que as memórias surgem em cada canto do lugar, cresce neles o medo de se livrar do passado e o impulso de se reunir. Seleção oficial da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2024)

Crítica

Era uma casa, muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada...”, diz a canção de Vinícius de Moraes. No longa de Álex Montoya, no entanto, o imóvel do título guarda o pouco de humor que um dia lhe habitou apenas na memória. Por outro lado, ela tem de tudo: portas, talheres, sofás, um pérgola inacabado e uma janela que parece emperrada, mas que, com jeitinho, se abrirá em uma vista inebriante. A Casa é tal qual o endereço: discreto, quase difícil de se reparar, mas que conquista aos poucos, lentamente. Quando se percebe, o espectador estará irremediavelmente envolvido. E apaixonado.

O pai morreu. A mãe, ainda antes dele. Sobraram apenas os filhos. Três herdeiros que não sabem, ou não querem, ter que lidar com o que permaneceu. O mais velho está sempre irritado, contrariado, com problemas. A caçula se mostra alheia, quase como se não fizesse parte daquele cenário, e demora para se entrosar. Quem acaba tomando a frente é o do meio. Aquele que ninguém tinha esperanças. O rebelde, que se sentia desprezado pelos pais, incompreendido pelos irmãos. O que não teve os seus próprios filhos, por mais que siga querendo. O que decidiu ser artista, ao contrário de uma profissão mais “estável”, como dono de uma mecânica ou de um restaurante. No entanto, é justamente ele, esse que parecia estar perdido, o que agora tem condições de liderar um movimento de resgate e retomada.

Jose (David Verdaguer, de Verão 1993, 2017) sabe que a relação da esposa com o irmão não será fácil, sente saudades das sobrinhas e não sabe o que esperar da irmã. Mais do que tudo isso, no entanto, se culpa por não ter estado mais presente. Tempo esse que gastou escrevendo o livro que hoje lhe permite uma situação mais confortável, mas que pouco mudou seu status familiar: ele tem certeza que aqueles que lhe eram mais próximos não leram seu romance. Mesmo assim, é o primeiro a chegar, e vai logo cuidar do jardim. Vicente (Óscar de la Fuente, de O Bom Patrão, 2021) vem depois, demonstrando irritação. Há muito o que fazer, e pouco tempo pela frente. É importante ser prático, resolver o que for preciso, e ir embora. O tempo de mudar esse cenário já passou. Para quem a vida toda foi ensinado a ser pragmático, agora não há mais o que possa ser feito.

Ou não. Carla (Lorena López, de Assombrosas, 2023), antes mesmo de ir ao reencontro de tantas lembranças, chama os irmãos para um almoço ali perto. Durante a refeição, uma possibilidade de continuidade surge. Não por ela, que entende que muito de bom houve, mas que agora o tempo é outro. Não pelo primogênito, que guarda no peito um rancor que talvez nem ele mesmo compreenda. Mas por parte daquele que ninguém nunca esperou nada, mas que, agora, se mostra capaz de fazer diferença. Nem tanto por ele. Mas pelos outros. Por aqueles que habitam tanto o seu hoje, como os fantasmas que os levaram até onde agora se encontram.

Montoya constrói A Casa a partir da graphic novel de Paco Roca. Ao contrário do que se acostumou imaginar quando a fonte é uma história em quadrinhos, aqui não há super-heróis, vilões querendo dominar o mundo ou salvamentos de última hora. Há, no entanto, sentimentos profundos que vão sendo desenhados com cuidado, sem pressa ou atropelo. Muito se deve à sensibilidade do diretor, que sabe conduzir sua história seguro de onde quer ir. O texto original, por sua vez, é um primor em economia e delicadeza, afiado em cada embate, assim como se exime de impor verdades absolutas. E o trio de protagonistas é um caso à parte, dançando conforme a música que eles próprios tocam. O abraço dos três irmãos é tão inesperado, quanto reconfortante. Enquanto a casa estiver de pé, ainda há esperança. Mesmo tendo ela ficado para trás.

Filme visto durante a 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2024

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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