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Crítica


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Sinopse

Cecília está sozinha em casa. Ela tem 14 anos e passa o dia inteiro ouvindo música, lendo, ingerindo comida congelada e álcool, mergulhando na piscina e escrevendo versos de T. S. Eliot na parede do quarto. Sua rotina só é perturbada pela ocasional visita de Adélia e Tiago (cozinheira e jardineiro) e pelo medo que parece sentir de um dos cômodos da casa – o que abriga as escadas que levam ao sótão. A única coisa capaz de transformar o cotidiano de Cecília é a chegada de Lorena que, misteriosamente, aparece em sua casa.

Crítica

A morte, em todos os seus aspectos, sempre fascinou a humanidade. A curiosidade de saber para onde vamos e o que nos acontece após a morte move a existência de uma grande parcela da população. É trabalhando sobre essas questões que a carioca Clarissa Appelt estreia na direção de longas-metragens com A Casa de Cecília, e a cineasta adentra sua temática sem pressa. Appelt utiliza o primeiro ato do longa para apresentar de forma meticulosa o cotidiano de Cecília (Carol Pita), sozinha há duas semanas em sua bela casa, enquanto o pai e a madrasta viajam a negócios. A cineasta situa o espectador no espaço cênico enxuto de sua trama através da repetição das ações de Cecília: desligar o despertador, pegar o jornal no portão, preparar o almoço, nadar, etc. Exceção feita aos poucos momentos em que a garota aproveita a ausência dos adultos, assistindo a filmes pornôs ou secando garrafas de vodca, sua rotina é de monotonia e solidão.

Através deste olhar detalhado, a diretora apresenta uma ambientação que desde o início gera o estranhamento. Os objetos que compõem a cenografia parecem deslocados no tempo, como o vinil tocando na vitrola, a TV de tubo, o videocassete e os eletrodomésticos antigos da cozinha. E que adolescente de 14 anos na atualidade não possui um celular ou não utiliza o computador? Estes elementos já dão pistas de que a casa de Cecília possui uma representação além do mero espaço físico, uma que remete a idealização do passado, das lembranças.

Em todo este prelúdio, Appelt também aproveita para jogar habilmente com a atmosfera do terror sobrenatural e os signos do gênero, como os barulhos noturnos, o chão molhado e a janela quebrada do sótão. É só a partir do momento do surgimento de Lorena (Tainá Medina) que a cineasta realmente se volta para seu tema principal: a aceitação da morte. O clima surrealista permanece e se intensifica, mas acima de uma ameaça fantasmagórica, Lorena aparece como uma figura contestadora, que irá guiar Cecília em sua dolorosa jornada de libertação. As discussões sobre a morte da mãe de Cecília trazem à tona as sequelas do trauma carregado pela jovem, em especial o isolamento. A casa “longe de tudo” e cercada pelas montanhas simboliza o clausura emocional da garota, a busca pela segurança naquilo que lhe é familiar.

A constatação de que as coisas invariavelmente mudam pode ser apavorante, e Cecília sente este pavor. É o medo, afinal, o que interessa Appelt. O medo de enfrentar a inevitável perda da memória. Pois o que somos sem nossas lembranças? Para Cecília, a verdadeira morte é se esquecer do rosto da mãe, dos momentos passados ao lado dela. Essa metáfora da perda surge com o artifício dos objetos da casa que desaparecem aos poucos (as fotos, os móveis, as pinturas de traços infantis e significados complexos, etc.).

Com a ausência dos símbolos materiais, resta a Appelt a presença dos corpos das garotas – como no belo plano de ambas deitadas no chão do quarto – e, acima de tudo, a palavra. Seja nos poemas de T.S. Eliot, referência muito bem inserida, escritos na parede e que gradualmente são borrados por uma infiltração, ou nos diálogos que se aprofundam, exigindo mais das jovens atrizes. E enquanto Tainá Medina mostra desenvoltura desde o início com sua Lorena, a atuação um pouco claudicante de Carol Pita demora a cativar, mas termina por transmitir a profunda e angustiante tristeza que envolve Cecília.

O tom melancólico perdura até o final aberto do longa, que permite diversas interpretações, mas nem por isso aponta falta de foco da cineasta. Pelo contrário, Appelt demonstra uma clara noção de onde quer chegar, driblando o baixo orçamento com uma segurança e um senso técnico, de enquadramentos e decupagem, acima da média para uma estreante. É bem verdade que A Casa de Cecília não escapa de pequenos deslizes – perda de ritmo, algumas metáforas muito simplistas – mas, assim como a protagonista, Clarissa Appelt parece pronta para abrir o portão e explorar novos horizontes.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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