Crítica


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Sinopse

Uma cineasta vai passar férias em uma propriedade na Côte d’Azur com familiares e amigos. Apesar da linda paisagem, ela precisa lidar com um término recente e com os desafios de seu novo filme, enquanto que o isolamento das pessoas ao seu redor as leva a externalizar uma série de sentimentos até então reprimidos.

Crítica

Numa propriedade isolada, protegida por guardas armados, e de difícil acesso em virtude da localização geográfica na Côte d'Azur francesa, diversos personagens passam as férias de verão, distantes das atribulações do cotidiano. Como em boa parte dos filmes do cineasta Eric Rohmer, também transcorridos nos períodos de descanso, em A Casa de Veraneio o idílio do dolce far niente inicialmente poderia amainar as tensões, todavia, paradoxalmente, promove a abertura de espaços para um fluxo de angústias e inquietações ainda mais livre de amarras. A protagonista é Anna (Valeria Bruni Tedeschi, aqui também desempenhando a função de diretora), cineasta às voltas com os preparativos de seu novo filme, projeto pessoal que, entre outras coisas, vai falar do irmão que morreu precocemente. Um pouco antes de reunir-se com possíveis investidores, ela recebe a notícia do envolvimento de seu marido, Luca (Riccardo Scamarcio), com outra mulher, passando a perseguir obsessivamente a reconciliação, nem que para isso seja preciso expor suas insegurança e dependência.

O roteiro de A Casa de Veraneio é afeito às sutilezas, ao desvelamento parcimonioso, inclusive da natureza das relações entre os presentes na residência. É deliberada, portanto, a confusão de papeis, com as parcas sinalizações nem sempre dando conta de cravar efetivamente quem é quem. Essa bruma persiste demasiadamente. E tal característica gera uma dispersão sentida por conta dos esforços de localização que se fazem urgentes. A despeito disso, o foco vai sendo deslocado da separação, a priori o grande tema do longa-metragem, espraiando-se a outras searas, como a espinhosa política. Praticamente todos os presentes são abastados, representantes de uma minoria europeia privilegiada, de pensamento tacanho e protecionista. A ameaça dos javalis que rondam o terreno é comparada, em certo momento, com a significativa profusão de imigrantes, movimento que transforma a paisagem humana da França. E isso não se restringe apenas aos patrões, uma vez que a empregada vivida por Yolande Moreau profere um discurso xenófobo entre os seus.

A Casa de Veraneio entremeia com habilidade variável seus diversos pontos de observação. A filha de Anna, Celia (Oumy Bruni Garrel), destoa dos demais não exatamente por ser a única negra em cena, mas pela vivacidade, em função da forma como representa a possibilidade de continuidade, inclusive, cultural – vide a maneira encantadora como ela canta a ópera – de um continente que caminha a passos largos à obsolescência se fechado ao mundo. Valeria Bruni Tedeschi dilui a força de determinadas observações, como a oposição ideológica entre a roteirista de esquerda Nathalie (Noémie Lvovsky) e o empresário de direita Jean (Pierre Arditi), entrevero encarado com uma distância considerável. Não há tanta atenção aos detalhes da contenda responsável, na atualidade, por uma nefasta lógica de polarização. Alguns potenciais dramáticos se perdem à medida que a realizadora insiste em mostrar sua personagem convalescendo emocionalmente sem a presença do ex-marido. Os aspectos comezinhos acabam dragando a potência dramática do conjunto.

Outro ponto importante, especialmente da perspectiva política, é o comportamento dos empregados, ou seja, dos homens e mulheres que, diferentemente dos patrões, estão trabalhando naquele paraíso. Alguns diálogos são temperados com pontuais comentários acerca do abismo que separa os estratos sociais. Exemplo disso, os serviçais reivindicando direitos, inclusive o de amar livremente. Ocorrências estranhas, como o retorno do espírito do irmão falecido e os aplausos da multidão imaginária a uma apresentação são mal encaixados narrativamente, gerando mais ruído que necessariamente curiosidade. A Casa de Veraneio ensaia opor ricos e pobres, bem como aponta à direção da miserabilidade emocional de uma burguesia alienada, mas não chega a efetivar uma visão consistente sobre os meandros desvelados. Há uma tentativa constante de permear elos afetivos com um substrato político-ideológico. Apesar das boas intenções e do elenco ótimo, o filme acaba fazendo força demais para resultado de menos. Ainda assim, tem instantes de valor e lampejos de beleza.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
6
Leonardo Ribeiro
4
MÉDIA
5

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