Crítica
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Sinopse
Crítica
Aos 27 anos e radicada na capital da Alemanha com sua irmã mais nova, a autora francesa Emma (Ana Girardot) decide ter uma vivência real como prostituta para escrever o seu próximo livro. Baseado em fatos, A Casa dos Prazeres abre diversas possibilidades interessantes a partir dessa premissa. Poderia ser um filme sobre esse processo criativo singular, quem sabe enfatizando o retrato literário das várias experiências nos bordeis. Poderia, também, ser a respeito de uma autodescoberta sexual, afinal de contas na primeira cena (com Emma sendo penetrada por trás enquanto sustenta um semblante neutro) a protagonista compartilha conosco a indagação de onde veio essa vontade de experimentar a prostituição. Outra possibilidade seria uma trama a respeito da própria atividade milenar de alugar o corpo e fingir prazer para satisfazer as demandas do desejo alheio. Havia ainda o possível retrato de um mundo cercado de estigmas, como bem fez a cineasta Lizzie Borden no seminal As Profissionais do Sonho (1986). Enfim, nem vale à pena seguir enumerando que filme ele poderia ser, pois as perspectivas são praticamente inesgotáveis. No entanto, a cineasta Anissa Bonnefont prefere fazer um relato resumido. Só. Ao mesmo tempo em que abrange um pouquinho de cada dos enfoques/tópicos citados, não se deixa guiar por nenhum deles em especial. O saldo é uma boa história quase sem conflitos.
Emma não é suficientemente investigada como indivíduo para que A Casa dos Prazeres seja um filme íntimo. A produção francesa ensaia se interessar por sua jornada de autodescoberta sexual diante das demandas próprias da controversa prostituição. No entanto, deixa várias coisas passar em brancas nuvens e nunca demonstra uma vontade real de revirar a personagem de cabeça para baixo para lhe compreender a fundo. As discussões com a irmã são desconfortos familiares momentâneos, ou seja, a reprodução de um dos vários lugares-comuns perceptíveis na construção dessa história mais repetitiva do que necessariamente instigante. Ademais, as sensações de Emma na companhia de cada cliente adorável e dos outros não tão gentis são pouco reveladoras, sobrando a observação quase desinteressada por aquilo que está abaixo da superfície. Falta peso dramático no desenvolvimento da missão artística que se confunde meio burocraticamente com o atendimento dos anseios inconfessos. Emma sente algum prazer em se submeter a homens enxergados como solitários incorrigíveis? Há alguma contradição na defesa de seu método de pesquisa durante as conversas com a irmã? O que ela realmente pensa das colegas: meros modelos às suas futuras personagens ou alvo de um interesse humano? Nada disso é contemplado demoradamente pelo roteiro assinado por Anissa Bonnefont e Diastème.
Quanto ao processo criativo, A Casa dos Prazeres é ainda mais vago. São poucos os momentos em que constatamos Emma transformando experiências em palavras. Seus caderninhos cheios de anotações são esporadicamente motivo ao receio das colegas, mas nada que vá além de uma chamada de atenção mais veemente. Desse modo, o filme foge inexplicavelmente dos conflitos tão logo os insira na trama. Senão vejamos. A colega demonstrando desconforto com as anotações não serve como gatilho para instaurar um clima tenso no bordel, tampouco entre as próprias colegas de profissão no trato diário. Quando Emma discute com a irmã também é algo pontual, sem que a diretora mantenha algum residual para aumentar a densidade emocional dessa diferença de perspectivas. Diante de um possível novo amor, Emma não tem um dilema duradouro entre a prostituição e o relacionamento monogâmico tradicional. Anissa Bonnefont não elabora essas questões por uma consciente vontade de se afastar dos lugares-comuns dos filmes com/sobre prostituição (até porque eles estão lá), mas por conta de uma falta de traquejo para desenvolver os conflitos. O resultado é que essas tensões parecem desimportantes, assim como os assuntos e as oposições que se beneficiariam da manutenção delas. Diante da falta do norte, de foco principal, o filme acaba sendo um amontoado de causos num cenário fascinante.
A Casa dos Prazeres tem como ponto mais alto a interpretação envolvente de Ana Girardot. A atriz francesa se joga num papel desafiador, mas cuja falta de camadas não permite voos ainda maiores do ponto de vista expressivo. De toda forma, ela está muito convincente na pele dessa mulher que se costuma gradativamente com o cotidiano da prostituição, não demonstrando nenhuma trava moral em seguir o caminho para escrever o seu livro – claro, falta o filme nos perguntar de modo implícito: será que ela continua sendo prostituta por causa do livro ou em algum momento essa atividade passa a ser satisfatória pessoalmente? Uma pena que haja essa diminuição na intensidade dos conflitos em prol do resumo com muitos aspectos quase nada aprofundados. O resultado é uma obra pouco memorável, ainda que não tediosa e dona de evidentes predicados visuais (algo que podemos colocar na conta do fotógrafo Yann Maritaud). Outra coisa a se lamentar são os lugares-comuns ao menos visitados pelo filme, como os frequentadores, em sua maioria, donos de semblantes derrotados e próximos do ridículo; a euforia inicial dando lugar momentaneamente à angústia pelo cliente agressivo; o dilema entre o amor “normal” e a continuidade no campo da prostituição; entre outras coisas ao menos reproduzidas em pequena escala. No fim, cabe a pergunta: sobre o que o filme realmente fala?
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 5 |
Alysson Oliveira | 6 |
Francisco Carbone | 4 |
Celso Sabadin | 6 |
Isabel Wittmann | 7 |
Carissa Vieira | 7 |
MÉDIA | 5.8 |
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