Crítica
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Sinopse
Forçados a fugir de sua terra natal, Bangladesh, o jovem Fahim e seu pai rumam a Paris. Lá eles passam por uma maratona de obstáculos a fim de obter asilo político. Graças ao seu talento com xadrez, Fahim conhece Sylvain, um dos melhores treinadores da França. Quando o campeonato nacional começa, a ameaça de deportação pressiona os estrangeiros e o jovem enxadrista tem apenas uma opção para continuar no país: ser campeão.
Crítica
A Chance de Fahim é um drama que nunca esconde as suas cartas. Quando o pré-adolescente (Assad Ahmed) é visto derrotando diversos adultos em partidas de xadrez em Bangladesh, na primeira cena, sabemos que se tornará um grande mestre neste esporte. Quando ele encontra o professor Sylvain (Gérard Depardieu), um tipo truculento que não demonstra simpatia pelo jovem enxadrista, podemos deduzir que os dois se tornarão amigos em breve. Na primeira gaguejada de Sylvain à secretária Mathilde (Isabelle Nanty), percebemos a atração física entre ambos e a predestinação a formarem um casal. É apenas questão de tempo para que o quadro se forme por completo: todos os conflitos estão postos no início, cabendo ao espectador esperar a concretização da jornada prometida a cada personagem.
Este tipo de feel good movie – você sofre com as dores dos personagens, porém sabendo que encontrarão um alívio no final – parte de uma interpretação do cinema como ferramenta de inspiração. O diretor Pierre-François Martin-Laval se apropria de um caso excepcional – um gênio do xadrez encontrado em Bangladesh, que vive nas ruas francesas até conseguir sua naturalização – para vendê-lo ironicamente como modelo a seguir a todos os espectadores. Persista, acredite nos seus objetivos e no seu talento, não se deixe abalar. Principalmente, não pense nas outras centenas (milhares?) de garotos que, ao contrário de Fahim, continuam nas ruas e sem oportunidades. O episódio da França humanista acolhendo o pobre imigrante funciona como revisionismo do passado colonialista, dentro de uma nação ainda distante do sonho da integração étnica e cultural dos povos imigrantes. Curiosamente, enquanto este projeto sonha com o dia em que todos se darão as mãos, Os Miseráveis (2019) apresenta, ao mesmo tempo nas salas brasileiras, uma visão nada otimista sobre os limites do acolhimento à francesa.
Romantizações à parte, o projeto poderia funcionar enquanto fábula, ou escapismo da realidade. Em 2016, Mira Nair partiu de uma premissa muito semelhante em Rainha de Katwe, sobre o empoderamento de uma jovem em Uganda através do xadrez. Em paralelo, Jornada da Vida (2018) e A 100 Passos de um Sonho (2014) imaginavam jovens pobres sendo acolhidos por mentores europeus em virtude de suas capacidades excepcionais, numa espécie de reconciliação simbólica entre explorador e explorado. Ora, o projeto francês apresenta dificuldade em desenvolver algumas premissas básicas do subgênero “filme inspirador”. Martin-Laval apresenta muito rapidamente os protagonistas antes do exílio, razão pela qual o espectador não compreende bem do que abrem mão quando se mudam para a França. As partidas de xadrez do garoto, visando demonstrar o dom fora do comum, se revelam anticlimáticas pela indisposição do cineasta em imprimir suspense ao jogo. As passagens sobre a vida no país de origem ou a adaptação na França apostam nas típicas sequências aceleradas, no entanto a montagem ainda deixa os segmentos arrastados, necessitando de explicações em letreiros.
Além disso, Martin-Laval efetua escolhas atípicas para um cineasta com tantos filmes no elenco. Os enquadramentos não favorecem a emoção, e as cenas na rua ou na escola, quando Fahim está cercado por garotos de sua idade, são curiosamente desprovidas de ruídos. Partindo de uma premissa socioeconômica complexa, capaz de proporcionar conflitos por si própria, o roteiro prefere inserir as figuras questionáveis de vilões (o tradutor mentiroso, o treinador inimigo) além de investir em clichês contraproducentes: Paris é vista primeiro pela Torre Eiffel, enquanto os bangaleses são descritos pelos atrasos constantes e a incapacidade de seguir regras sociais. A tendência a calar o pai de Fahim enquanto engrandece a gentileza do treinador francês reforça o ponto de vista eurocêntrico do filme: para a direção, o verdadeiro herói é o enxadrista generoso, ao invés do pai que arrisca a vida para dar uma vida melhor ao filho.
Ao menos, enquanto os dois atores bangaleses são dirigidos de maneira exagerada – o garoto, todo em sorrisos, e o pai, exaurido ao limite da desumanidade – eles se equilibram com a bem-vinda escalação de Depardieu e Nanty. Ao invés da figura benevolente, o veterano francês constrói um sujeito de personalidade ambígua, o que dilui a sentimentalidade do encontro com Fahim; já Nanty, colaboradora habitual do diretor, demonstra sua destreza com diálogos para fornecer os melhores momentos cômicos do filme. Seria interessante se a família de Fahim recebesse igual oportunidade de se desenvolver – a pobre mãe, abandonada em Bangladesh, se reduz a um estranho número musical -, mas o discurso cumpre o papel de vender ao franceses a ideia de solidariedade com os estrangeiros pelo olhar de um francês. Ao final, os letreiros afirmam que a vitória da inserção de Fahim veio da bondade do Ministro do Interior, e não do próprio garoto, do pai, da secretária, dos colegas de turma que o abrigaram Fahim quando não tinha onde dormir. É curiosa a maneira como o projeto percebe os méritos desta conquista. De qualquer modo, para o público médio, a quem é destinado, A Chance de Fahim deve cumprir a tarefa de resolver simbolicamente os problemas políticos da atual França centrista através da persistência e da boa vontade.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Bruno Carmelo | 4 |
Alysson Oliveira | 5 |
MÉDIA | 4.5 |
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