Crítica
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Sinopse
Ratna trabalha como empregada doméstica para Ashwin, homem rico que parece ter tudo, porém vive desesperançoso e perdido. Enquanto isso, Ratna, que parece ter nada, vive a vida determinada a alcançar seus sonhos.
Crítica
Ratna (Tillotama Shome) e Ashwin (Vivek Gomber) são de mundos diferentes. Ela, empregada doméstica dele, habita a Índia tradicional, a das diretrizes aferradas aos costumes e das regras pétreas que, muitas vezes, entravam os anseios pessoais. O sujeito, filho de uma família milionária ligada à construção civil, acaba de desmanchar seu noivado praticamente à beira do altar. Ele vai encontrar na jovem diligente com as coisas domésticas do cotidiano um porto seguro, gradativamente nutrindo afeição por quem, segundo sua casta, merece tratamento inferior. A Costureira dos Sonhos se demora bastante no desenho dessa “distância” que separa inevitavelmente homem e mulher, geralmente de modo simples, ocasionalmente resvalando no simplório. Nesse sentido, a esfera romântica sobressai à constatação social em boa parte do filme, mas essa prevalência cai momentaneamente por terra quando o desfecho se torna próximo. A impossibilidade emerge.
A Costureira dos Sonhos é protagonizado por essa viúva que corta um dobrado para a irmã caçula acabar os estudos e, provavelmente, escapar ao destino pré-estabelecido na vila interiorana. Ela possui um forte ímpeto de independência e extrai felicidade dos instantes de proximidade com o desejo de ser estilista de moda. Já o empresário, figura menos nuançada, se ressente do término com a antiga noiva que o traíra e, numa cena, fala com pesar da imposição do retorno a Mumbai – antes, morava nos Estados Unidos – quando o irmão mais velho adoeceu e ele precisou ajudar nos negócios. A mocidade indiana contemporânea e endinheirada é apresentada como fruto da globalização e do intercâmbio com a América do Norte. Conversam entre si apenas em inglês e levam uma vida quase ocidentalizada, inclusive quanto aos relacionamentos e à fluidez dos encontros casuais. Para Ratna é vergonhoso ver a mulher sair tranquilamente do quarto dele.
Embora subverta expectativas e centralize um bem-vindo recorte de classe perto do final, a cineasta Rohena Gera não evita de delinear Ashwin apenas como um ponto fora da curva dos ricos, às raias do artificial com seus sucessivos indícios de bondade. Já Ratna possui camadas bem mais identificáveis, responsáveis, até mesmo, por oferecer ao conjunto uma dimensão de consistência além do percurso meramente romântico. Enquanto o homem pensa em lutar contra mundos e fundos para quebrar o preconceito e viver o amor nutrido pela empregada, ela entende a dificuldade de lidar com certas engrenagens enferrujadas, especialmente por ser pobre e mulher. Um amigo do empresário afirma que manifestar carinho, neste caso, é evitar expô-la ao julgamento generalizado. Contrariando o romantismo que vinha imperando até ali, sobretudo no que tange aos ímpetos do sujeito, a realizadora adensa uma observação fundamentada em questões sociais e de gênero.
A Costureira de Sonhos, então, transcorre de forma fluida, equilibrando bem a exposição direta e a sutil sinalização dos componentes do abismo entre Ratna e Ashwin. O grande calcanhar de Aquiles do filme é o personagem masculino, a quem não se fornece espaço suficiente para externar eventuais complexidades. O resultado é um dos polos dessa equação funcionar bem menos do que o outro, pois a protagonista, construída com garra pela ótima interpretação de Tillotama Shome, demonstra, a despeito da criação num pequeno vilarejo, uma compreensão mais ampla da Índia do que a do apaixonado, esse alienado da realidade profunda de seu país de origem, especialmente em virtude da globalização que lhe afeta, borrando fronteiras e reduzindo singularidades. Flertando com o sentimentalismo, a cineasta consegue, no entanto, manter Ratna como alguém que, no encalço obstinado dos sonhos, sabe que a restrição coletiva lhe impõe os pés perto do chão.
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