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Sinopse

Lucas vai ao cinema e encontra a intrigante Suzana. Depois de flertar, ela vai embora. Os dois se encontram várias outras vezes, especialmente em situações de morte e jogos sensuais. Aos poucos, Lucas percebe que Suzana tem muitas semelhanças com a mulher do filme ao qual eles assistiram.

Crítica

Guilherme de Almeida Prado é um cineasta cinéfilo que não esconde de forma alguma sua reverência aos grandes mestres. Começou sua carreira na Boca do Lixo no apagar das luzes da década de 1970 e, pouco tempo depois, em 1987, lançou uma das produções mais requintadas do cinema nacional daquela época. Multipremiado no Festival de Gramado naquele ano e vencedor do principal prêmio no Festival de Bogotá, na Colômbia, A Dama do Cine Shanghai é uma ode ao cinema noir e a diretores como Orson Welles, Alfred Hitchcock, Roman Polanski e Brian De Palma. Tomando emprestado elementos de filmes destes cineastas, e colocando o seu próprio molho brasileiro, o diretor paulista comanda performances inesquecíveis de um elenco cheio de nomes graúdos da nossa dramaturgia como Antônio Fagundes, Maitê Proença, José Lewgoy, Jorge Dória, Paulo Villaça, José Mayer, Sérgio Mamberti e Miguel Falabella. Com trabalho de câmera requintado, direção de arte bem pensada e desenho sonoro dos mais interessantes, o longa-metragem é curiosamente tachado como um “filme B” em seus créditos finais, algo que não encontra reflexo no que vemos nos 115 minutos anteriores.

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Na trama, assinada pelo próprio diretor, conhecemos o ex-boxeador e corretor de imóveis Lucas (Fagundes), protagonista e narrador da história. Em uma ida ao cinema em uma noite quente, o autoproclamado cafajeste se encanta por uma misteriosa mulher na plateia, muito parecida com a estrela do filme que estão assistindo. Ao final da sessão, ele a interpela e a convida para um programa. Nada interessada nas investidas daquele homem, Suzana (Proença) tenta dispensá-lo, se dizendo casada com um homem mais velho, Desdino (Villaça). Mesmo rejeitado, ele não consegue tirá-la da cabeça e se surpreende quando, pouco tempo depois, Suzana e seu parceiro aparecem para comprar um antigo apartamento, há tempos encalhado nas mãos de Lucas. Ele não perde tempo e tenta, novamente, um encontro com aquela mulher. Finalmente ela responde positivamente e marca que estará em um bar à noite. Ela fura. No dia seguinte, também não aparece. No terceiro, tampouco. Por estar no lugar errado e na hora errada, Lucas é confundido no bar por um sujeito conhecido como Tenente e deixa se levar por um grupo de mau encarados, capitaneados por Bolívar (Mayer). Esse é o começo de uma espiral de paranoia e de desencontros que tornarão Lucas um fugitivo da polícia, mas um potencial amante para a bela Suzana.

Há mais de quarenta anos o chamado Neo-noir apareceu para dar uma revigorada naquele gênero relevante nos anos de 1940 e 1950 em Hollywood. Em mais uma subcategoria, foi criado o chamado “neon-noir”, um estilo de história de suspense que, dentre outras coisas, utilizava as famosas luzes oitentistas na criação de um clima para a história. Blade Runner: O Caçador de Andróides (1982), de Ridley Scott, e Dublê de Corpo (1984), de Brian De Palma, são alguns títulos destacáveis desta vertente. Eis que no Brasil tivemos nosso próprio “neon-noir” em A Dama do Cine Shanghai. A trilha sonora, cheia de saxofones e sintetizadores, é uma marca sonora do estilo e está presente neste trabalho de Guilherme de Almeida Prado, assim como a fotografia que divide o soturno – do cinema noir clássico – com as luzes das grandes cidades, neste caso, São Paulo. Gravado em locação, mostrando esmero em encontrar cenários ótimos para cenas icônicas, Prado prova ter apuro visual na construção não só de seus planos, como de tudo à volta dos seus personagens. Muito ele tomou emprestado de Brian De Palma que, por sua vez, buscou em Hitchcock. A citação ao Mickey como uma pista cheira a O Homem que Sabia Demais (1955) e suas confusões com a palavra "Chapel". Orson Welles também é um nome identificável dentro das diversas referências dentro do filme. Para o fã de cinema noir, serão várias pequenas surpresas dentro deste trabalho. Para quem apenas quer se divertir com um suspense à brasileira, também terá um prato cheio.

O roteiro é cheio de reviravoltas e, por vezes, acaba se perdendo em sua própria teia de acontecimentos. Por sorte, o que os personagens vivem é muito menos importante ou interessante do que os personagens em si. Maitê Proença é uma femme fatale de primeira, mantendo a atenção do espectador a cada nova dissimulação daquela dama. Fagundes, por sua vez, faz o tradicional homem comum, envolto em algo muito maior do que poderia suportar. Estamos tão perdidos quanto aquele sujeito na história, o que nos propicia grande ligação com o protagonista. Os demais personagens ganham muito pouco o que fazer, mas não decepcionam quando são utilizados. Destaque para as pequenas, mas memoráveis cenas de Jorge Dória e Miguel Falabella.

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É verdade que A Dama do Cine Shanghai poderia ser mais curto e com uma trama um pouco menos confusa em seu segundo ato. Mas isso não impede, de forma alguma, que o espectador se embrenhe nesta boa trama, cheia de desejo e de suspense, com diálogos bem sacados e atores em ótimas performances. Vencedor de 7 kikitos, incluindo Melhor Filme e Diretor no Festival de Gramado, o longa-metragem de Guilherme de Almeida Prado é um dos grandes trabalhos da cinematografia nacional da década de 1980 e só não recebe mais atenção por se tratar de um filme de gênero por excelência, o que sempre trouxe preconceito para as produções realizadas no Brasil – o que é lamentável, dada a qualidade deste belo thriller.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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