A Distância que nos Une
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Paolo Licata
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Picciridda: Con i Piedi Nella Sabbia
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2020
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Itália
Crítica
Leitores
Sinopse
A história de uma grande mulher. Quando seus pais se mudam para a França no fim dos anos 1960, Lucia, então menina de 11 anos, passa a morar com a avó Maria, senhora severa e incapaz de expressar sentimentos. Vivendo num cenário socialmente hostil e dominado por homens, é justamente com a avó, que tanto odiava, que Lucia cresce e aprende a viver a vida com força, dignidade e otimismo.
Crítica
A jornada de amadurecimento retratada em A Distância Que Nos Une começa de forma traumática para Lucia (Marta Castiglia), a protagonista deste longa-metragem de estreia do italiano Paolo Licata. Já na sequência inicial, a jovem de apenas 11 anos é separada dos pais e do irmão mais novo, que partem para a França em busca de melhores condições de vida, sendo deixada aos cuidados da avó, Maria (Lucia Sardo), com a promessa de um retorno em breve. O confronto geracional e de personalidades entre a curiosa e inquieta garota, com sua sede de desbravar o mundo – ainda que este se limite ao microcosmo da pequena cidade litorânea na região da Sicília onde vive – e a rigidez da solitária avó, apelidada por familiares e conhecidos de “A General”, configura o pilar central de sustentação da narrativa de Licata.
É a partir desta relação que o diretor apresenta seu universo sob uma perspectiva majoritariamente feminina. Pois, orbitando a dupla central, temos diversas outras mulheres, que servem como pontes para as descobertas de Lucia, como as tias, Pina e Franca, a prima mais velha, Rosamaria, a humilde vizinha, Dona Sarina, ou Rita, sua melhor amiga de escola. Por meio destas interações, a jovem passa a desenvolver sua concepção sobre amizade, família, desilusões e mesmo sobre a mortalidade. Esta última se mostra intensamente presente no cotidiano das personagens, já que Maria é conhecida por seu dom para preparar os recém-falecidos da cidade para seus funerais. Tal proximidade com a morte e o luto também prenuncia o peso que se abate sobre todas as figuras femininas apresentadas. Uma sombra patriarcal, fruto de uma sociedade onde o papel da mulher ainda era extremamente restrito – mais de dois terços da trama se passam na Itália campesina do final da década de 1960.
Ainda que nem sempre se manifeste de maneira explícita – como no caso de Rosamaria, “mal falada” entre os habitantes locais e que mantém um relacionamento com um homem casado – o peso do patriarcalismo se faz presente em detalhes e em marcas que não podem ser apagadas. Sejam físicas, como a cicatriz no rosto de Dona Sarina, ou emocionais/psicológicas, como o segredo sustentado por quase toda a projeção envolvendo o passado de Maria, e que motivou o rompimento das relações com a irmã, Pina. Ao encadear essas pistas, Licata oferece uma justificativa para a postura severa e aparentemente insensível de Maria, não apenas em relação ao tratamento com a neta, mas no modo de encarar o mundo. Pois é nessa austeridade que ela encontra um escudo para proteger a si mesma e aos seus. “Sua avó é uma Dona boa, forte”, é o que Lucia ouve repetidas vezes de certo personagem. O termo “Dona”, aliás, é tema de um diálogo entre a dupla central, com o tratamento sendo definido como um sinal de respeito, uma virtude a ser almejada.
Mesclando todas as relações citadas aos interlúdios solo de Lucia, em sua exploração e conexão com a realidade e o espaço – a afeição pelas galinhas, o ato de colocar os pés na areia – Licata constrói uma abordagem envolvente, valorizada pelas atuações: na firmeza da ótima Lucia Sardo como Maria e na desenvoltura e espontaneidade de Castiglia como Lucia, que mesmo forçada ao amadurecimento precoce, nunca deixa de carregar uma inocência infantil genuína. Contudo, apesar das citadas qualidades, o trabalho de Licata por vezes resvala em algumas armadilhas que se impõem a diretores estreantes, como se deixar levar, em certos momentos, pela beleza das paisagens naturais da ilha de Favignana, se desconectando dos arcos dramáticos para inserir planos que pouco acrescentam além de uma inegável beleza plástica. Há também uma tentativa, que nem sempre se mostra equilibrada, de entremear o tom lúdico e bucólico da maior parte do longa a fragmentos de crueza, e até mesmo brutalidade.
É o que ocorre, especialmente, no ato derradeiro de A Distância Que Nos Une, que guarda a grande e reveladora virada dramática do roteiro. Uma quebra que possui notadamente seu impacto, escancarando como a força da sombra patriarcal, antes atuante apenas nas entrelinhas, quase sempre se mostra devastadora quando manifestada em sua plenitude. Isso, contudo, é apresentado por Licata em um tom acima, no limite da exploração apelativa, destoante do restante do longa. O epílogo que realiza um salto temporal também mantém essa elevação de tom, desta vez no aspecto emotivo, reforçando dilemas dramáticos já bem estabelecidos. Apesar dessa ânsia por causar impacto, levando a certo desequilíbrio, na maior parte do tempo o trabalho de Licata é efetivo em seu retrato de um grupo mulheres unidas em silêncio pelo sofrimento infligido por uma sociedade machista. Um retrato que mesmo sendo de época, infelizmente, ainda reflete os tempos atuais.
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