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Crítica


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Sinopse

O menino Joe vive com sua família judia na Nova Iorque contemporânea à Segunda Guerra Mundial. Todos se juntam em torno do rádio para ouvir música, teatro e as notícias que dão conta do mundo.

Crítica

Nostalgia talvez seja a palavra que melhor defina A Era do Rádio, comédia em que Woody Allen revisita sua infância, mostrando o rádio não apenas como veículo de entretenimento ou informação, mas também como grande responsável pela construção do imaginário de então. Dá para entender que, mesmo não estritamente autobiográfico, o filme contém uma série de situações genuínas da juventude do cineasta. E essa familiaridade flui pela trama contada por um narrador distante temporalmente, cujo olhar privilegia situações pitorescas, e não raro cômicas, que envolvem parentes, celebridades da época, e até mesmo o comportamento dos norte-americanos durante os turbulentos anos da Segunda Guerra Mundial.

Joe, alter ego de Allen, começa contando uma das passagens mais insólitas do filme: dois bandidos entram numa casa para assaltar e acabam se dando bem num típico programa “qual é a música?”, assim enchendo involuntariamente suas vítimas de prêmios. A ironia, elemento intrínseco à situação, logo se repete em outros segmentos, como no do mal estar que o Tio Abe (Josh Mostel) sofre após ser convencido pelos vizinhos “comunistas” de que o jejum judaico é uma bobagem. Aliás, os familiares de Joe têm características muito marcadas: a tia solteira, a mãe e o pai que discutem por qualquer coisa (“quem mais brigaria por causa do tamanho dos oceanos?”), a prima bisbilhoteira que gosta de dublar Carmem Miranda, sem contar o avô que começa seus dias apertando a esposa no espartilho. E é justamente em volta do rádio que as relações entre eles se dão.

A Era do Rádio transmite uma ideia romântica do que foi crescer num subúrbio americano nos anos 1940 às voltas com heróis radiofônicos. O adulto que conduz a narrativa pelo viés da memória traz de volta casos notórios envolvendo celebridades, como Sally White (Mia Farrow), garota de voz esganiçada que começou vendendo cigarros e balas num clube noturno, e que por influência da máfia – além das aulas de dicção –, alcança o estrelato num programa de fofocas. Por meio dessa rememoração saudosa, nas entrelinhas um tanto melancólica, temos passada a limpo boa parte da situação social norte-americana da época: o envolvimento geral com a Guerra, o medo comunista e o já evidente culto aos famosos.

Mas, a essência de A Era do Rádio está na dinâmica que rege a família de Joe, ela que permanece unida mesmo frente aos problemas, descolando-se da própria miséria em contato, por exemplo, com os cotidianos aparentemente perfeitos da alta sociedade que acorda sempre de bom humor para contar aos ouvintes a noite passada nos clubes mais badalados. Essas vidas tidas perfeitas, porém, são perpassadas por problemas que as tornam tão ordinárias como as daqueles que com elas sonham. A essência do rádio, ou seja, ouvir e imaginar, preterida pelos meios audiovisuais, é a via pela qual Woody Allen demonstra um misto de saudade e melancolia, fazendo um inventário terno de seus tempos de criança.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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