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Sinopse

Próximo à eclosão da Segunda Guerra Mundial, uma viúva rica contrata um arqueólogo amador para escavar sua propriedade em busca de relíquias, Após uma descoberta histórica, o passado ressoa ameaçando o futuro.

Crítica

O que comprova a existência humana, animal, vegetal, de gestos e fenômenos, sobretudo após décadas, séculos ou mesmo milênios, são os vestígios, aquilo que subsiste a despeito da implacabilidade do tempo. Em A Escavação, a viúva Edith (Carey Mulligan) tem a intuição de que sob os morros de suas terras jaz um tesouro de valor incalculável. Guiada por isso, contrata o escavador Basil (Ralph Fiennes), sujeito que não admite ser confundido com arqueólogo, pois prefere ser designado pela função que não denota nobreza. No começo do longa dirigido por Simon Stone, sobressai a suntuosidade da imagem como reforço da ideia paradoxal que entrelaça efêmero e duradouro. As tomadas com câmera na mão, banhadas pela abundante luminosidade solar, geram um itinerário visual bonito. Este emoldura liricamente as relações estabelecidas nas interações iniciais entre gente com vontades e vivências bem diferentes. Enquanto estimula vários assuntos implícitos sem recorrer tanto às explanações, o cineasta ensaia a pavimentação de um caminho instigante e promissor.

A repetição é o que primeiro depõe contra a continuidade da sensação de euforia que pode tomar conta do espectador deslumbrado com a habilidade demonstrada pelo realizador. Sim, pois ele provoca a natureza clássica praticamente inerente ao filme de época com essa disposição por não valer-se da câmera estática, por exemplo. Rapidamente, os dilemas de Basil e Edith são apresentados ao ponto de se esgotarem. Portadora de uma doença coronária, ela banca a escavação, assim revolvendo o passado, pensando nas heranças potencialmente deixadas às próximas gerações. Já Basil, sujeito tão teimoso quanto capacitado para levar a cabo a missão que lhe é confiada, oculta fantasmas que ajudam a explicar seu comportamento. Nesse sentido, é essencial o talento maiúsculo de um ator como Ralph Fiennes, capaz de deixar suficientemente subentendido algo nas pequenas omissões que, somadas às ações, contém o necessário a saber desse homem ensimesmado. A testemunhamos inúmeras vezes pressionada pela fragilidade de sua existência prestes a esvair-se em virtude da doença. Ele também exibe vários instantes que reforçam as características básicas de sua personalidade.

Porém, é da metade em diante que A Escavação cai sensivelmente. A intromissão de membros dos museus prenuncia um conflito que ameaça violentamente Basil. Contudo, ele é escanteado para dar lugar aos engomados intitulados. O personagem de Ralph Fiennes vai empalidecendo ao ponto de não mais sabermos se é um dos focos principais do filme. As dúvidas e o resultado dos atritos com os recém-chegados, que contestam os saberes empíricos, sucumbem frente às demandas dos personagens que entram em cena desvirtuando as coisas. Surpreendentemente, a novata Peggy (Lily James) passa a ter um espaço desproporcional na tela, impondo ao conjunto uma lógica romântica que culmina com a deflagração do descontentamento mútuo em seu casamento. A partir desse movimento de reordenação hierárquica, A Escavação gradativamente adere de modo mais simplório às discussões sobre finitude e permanência. Isso, porque começa a oferecer tudo bem explicado, mastigado. A clareza sobrepõe a insinuação. A sugestão perde terreno para as elucidações diretas.

Se antes dessa guinada o espectador é instigado a munir-se de intuição e sensibilidade a fim de absorver melhor o que A Escavação oferta – a possibilidade de desvendar personagens tendo em vista posicionamentos, respostas e gestos – depois, ele é tratado com condescendência, guiado didaticamente entre alusões e metáforas. Simon Stone ressalta com sutileza a homossexualidade reprimida de Stuart (Ben Chaplin), marido de Peggy, mas não demonstra essa tenuidade ao estabelecer o vínculo direto (meio óbvio) entre as hesitações dela quanto a viver o amor passageiro ameaçado pelos sons da guerra se aproximando e toda a filosofia de permanências e impermanências delineadas até ali. O agravamento da saúde de Edith lança luz sobre as angústias de seu filho, o que acaba resgatando Basil um pouco do limpo ao qual o filme o relegou para privilegiar os novos dramas engatilhados em torno da embarcação desenterrada. No meio disso, há ainda o jovem prestes a ser integrado às Forças Aéreas. São muitas pessoas e impasses em cena para pouco tempo, interligadas por ponderações relativas à brevidade/fragilidade da vida e a possibilidade de uma imortalidade.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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