Sinopse
Numa manhã de sábado, Erik, trabalhador da construção civil, recebe a notícia de que sua ex-namorada, Moonika, está prestes a entrar em trabalho de parto. Ela, no entanto, não está pronta para a maternidade, e agora Erik deve decidir se fica com a criança ou se a leva para adoção.
Crítica
A sobriedade é um dos predicados de A Escolha, filme selecionado pela Estônia para representa-la no Oscar 2019. A cineasta Liina Trishkina não alardeia, restringe os poucos rompantes a situações específicas. Quando o protagonista, Erik (Reimo Sagor), é instado a cuidar da filha recém-nascida diante da recusa da ex-namorada, as discussões ganham em intensidade pelo represamento, não em virtude de demonstrações. E o intérprete consegue projetar o turbilhão de sensações que lhe atravessam quando a responsabilidade paterna parece uma obra do destino. Desde o começo fica claro que a jornada a ser compreendida e acompanhada é a dele. Embora seja uma premissa da narrativa não adentrar demasiadamente no passado – nem para compreender melhor as ações e as reações –, o espaço para que Moonika (Liis Lass), a jovem que recusa assumir-se mãe, se expressar é ínfimo. Ela surge apenas para engatilhar o conflito, ou seja, servindo tão e somente para bagunçar a vida do sujeito que antes fora buscar na Finlândia possibilidades melhores de trabalho que sua terra não provê.
Se há uma coisa boa nessa constante placidez, além do convite a olhar de perto os personagens, é que inexiste um percurso exageradamente lacrimoso demarcando a determinação de Erik. Diferentemente de longas-metragens apelativos, tais como À Procura da Felicidade (2006), preocupados em desenhar um trajeto excessivamente melodramático feito de heróis lutando contra a hostilidade do mundo para sobreviver e garantir a dignidade dos filhos, A Escolha pelo menos tenta desvencilhar-se dessas idealizações manipuladoras. A imaturidade do homem carregando um bebê a tiracolo é projetada na necessidade sintomática de recorrer a figuras femininas para cuidar da menina. Primeiro, a mãe que o ajuda nas primeiras etapas de muita choradeira e noites mal dormidas. Por fim, a empregadora (convenientemente) com um filho de idade semelhante e que lhe serve de amparo pontual. O episódio da saída irresponsável para uma festa noturna, assim deixando a pequena sozinha em casa, é outro indício dessa falibilidade deixada à mostra.
Todavia, A Escolha despenca ao incorrer numa dinâmica desgastada quando o assunto é alguém obrigado a assumir sozinho a criação dos filhos. Mesmo não exatamente profundo no entendimento do protagonista, da família e de como todas as peças se encaixam nas situações potencialmente dramáticas, o filme manda às favas as nuances ao promover o retorno de Monnika. Especialmente se levado em consideração que até ali o importante era colar-se em Erik e, independentemente de contextos maiores, compreender as formas por ele encontradas para exercer o seu papel, a batalha judicial pela guarda lança o todo num lugar-comum que o enfraquece. Liina Trishkina faz questão de colocar em cena uma mulher decidida a reconhecer tardiamente o seu lugar de mãe, sequer dando-lhe atenção, apenas resgatando-lhe para que novamente sirva como um entrave. A realizadora deixa essa personagem a mercê de julgamentos moralistas ao apresenta-la como alguém incapaz de oferecer argumentos menos elementares, vide o “não estava preparada” que soa insuficiente.
É nesse ponto, em que a aparente calmaria deu lugar à ameaça de uma felicidade familiar construída cotidianamente a duras penas, que A Espera se torna ordinário. Seguindo a ideia de pouco revelar das pessoas, Liina Trishkina refuta, por exemplo, a sinuosidade dos silêncios e olhares, antes tão valorizados por sua câmera comportada como uma testemunha não invasiva. Ela se rende aos antagonismos. De um lado, o homem que passou três anos comendo o pão que o diabo amassou para exercer a paternidade do melhor jeito possível. Do outro, a mulher, tipificada como leviana e sem arrependimentos, que mira friamente o seu “adversário” no tribunal enquanto sorrateiramente coloca em xeque a herança genética que pode ser essencial para o resultado da briga na justiça. Ver um pai solteiro cortando um dobrado aparenta ser, a priori, mais dramático porque essa não é uma coisa tão corriqueira. A realidade está infelizmente repleta de referências contrárias, ou seja, de abandonos masculinos. A cineasta se apoia nisso, esquecendo-se de iluminar variáveis e frestas, depondo contra o urgente entendimento da equivalência das responsabilidades paternas e maternas.
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