A Esposa de Tchaikovsky
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Kirill Serebrennikov
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Zhena Chaikovskogo
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2022
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Rússia / França / Suíça
Crítica
Leitores
Sinopse
Jovem aristocrata bonita e intelectualmente brilhante, Antonina Miliukova está obcecada pela ideia de se casar com o compositor Pyotr Tchaikovsky, homem que aceita o enlace para que cessem os rumores maldosos sobre ele.
Crítica
Em A Esposa de Tchaikovsky, os infortúnios dos personagens são decorrências de uma sociedade mergulhada no obscurantismo. O cineasta Kirill Serebrennikov enfatiza esse aspecto opressor do meio-ambiente por meio da expressiva fotografia a cargo de Vladislav Opelyants – tons escuros e sombras difusas –, da cenografia que apresenta locais lúgubres, dos figurinos ora surrados, ora indicativos da aristocracia superficial, e da quantidade de pedintes e doentes definhando nas ruas. A importância desses componentes narrativos nos dá uma pista sobre o ponto de vista escolhido para contar a história da mulher obcecada por se casar com um dos principais compositores da história da música erudita europeia. Antonina Miliukova (Alyona Mikhailova) é bela, jovem e talentosa – suas aptidões são demonstradas pelo tamborilar elegante dos dedos no piano. No entanto, ela não alimenta outra coisa tão fervorosamente quanto o desejo de contrair matrimônio com Pyotr Tchaikovsky (Odin Lund Biron). E se a palavra “contrair”, comumente associada à infecção por doenças, foi utilizada é porque o enlace fadado ao fracasso parece um vírus inoculado nos noivos assim que os dois trocam alianças na cerimônia com jeito de encenação. Isso porque Tchaikovsky era homossexual, levado a assumir o compromisso heterossexual para cessarem as fofocas. Pode-se dizer que ambos são vítimas.
No entanto, o filme não demonstra interesse pelas motivações dele e tampouco as dela, se atendo a uma tentativa diagnóstica que adquire contornos tétricos. E, diferentemente de Vincere (2009), grande filme de Marco Bellocchio empenhado em tirar da invisibilidade a figura de Ida Dalser, primeira esposa do italiano Benito Mussolini, A Esposa de Tchaikovsky não tem como protagonista uma mulher admirável por conta de sua coragem e digna de piedade em virtude da forma como foi apagada pela sombra do ex-marido famoso. Antonina força os limites em diversos momentos, não demonstra nenhum senso de praticidade quando as coisas parecem caminhar irremediavelmente a determinado ponto crítico e faz questão de manter as aparências em detrimento da própria felicidade. E este é um dos aspectos mais interessantes do filme russo: o fato de não ser contato por um prisma automaticamente aceitável como o correto ou mesmo reparador. Kirill Serebrennikov faz de sua personagem principal um indício exasperado da condição limítrofe a que uma mulher era submetida naquela sociedade russa, na qual, por exemplo, o nome do marido era uma espécie de salvo-conduto. Jovens solteiras desesperadas para contrair matrimônio, homens exercendo a sua hegemonia, mas, ao mesmo tempo, sendo também oprimidos pelo machismo. Enfim, a prioridade é um panorama coletivo em degradação.
Aos mais presos à estrita realidade história, é bom avisar que Kirill Serebrennikov toma diversas liberdades poéticas em A Esposa de Tchaikovsky, o que é perfeitamente normal levando em consideração que ele não pretende fazer um retrato realista daqueles dias e daquela gente, mas reelabora-los a partir de uma intenção. Se não é fornecido acesso as profundezas de Antonina Miliukova e Pyotr Tchaikovsky é porque o desejo do filme é menos compreendê-los individualmente e mais situa-los dentro de um panorama histórico para expor as suas particularidades e características menos louváveis. Há diversas perguntas que ficam no ar: porque Antonina se apaixona por Pyotr? Mais tarde, como ela lida intimamente com os indícios da orientação sexual do marido? Por fim, o que a faz ser tão obstinada, ao ponto de aguentar humilhações para continuar ostentando o título de “a esposa de Tchaikovsky”? Já do lado dele, foi realmente a vontade de espantar as fofocas que o motivou a aceitar o amor de Antonina? O quanto essa maledicência o incomodava e agravava a precariedade do seu estado de saúde? Por mais que passemos mais de duas horas acompanhando as dores desse casal, pouco sabemos a respeito do que os desloca em direção ao centro de um redemoinho. Sendo assim, eles adquirem cada vez mais esse contorno de sintoma social, de evidência de uma conjuntura maior.
Uma das coisas mais básicas ao se analisar um filme é procurar indícios para definir, de cara, se ele prioriza as jornadas íntimas/pessoais ou se trata, basicamente, as figuras humanas como símbolos/decorrências de uma circunstância que os define (para o bem ou para o mal). Se fosse situado no primeiro time, A Esposa de Tchaikovsky poderia ser entendido como carente de subsídios à investigação do aspecto humano. No entanto, ele pertence à segunda categoria e, sendo assim, subordina a singularidades das pessoas ao diagnóstico de uma sociedade doente por causa do obscurantismo. Antonina não está em cena para gerar admiração, sendo o lado mais sombrio de sua personalidade outro subproduto da Rússia do século 19. É difícil definir se ela é uma mulher obstinada (o que é bom) ou simplesmente teimosa e insistente (o que é ruim), sendo a diferença fundamental entre essas duas naturezas parecidas algo a ser considerado. E para essa dinâmica funcionar é essencial uma intérprete com o talento e a disposição de Alyona Mikhailova a fim de se equilibrar habilmente sobre essa linha tênue. Os demais membros do elenco cumprem bem seus papeis, mas apenas a atriz russa sobressai – um efeito colateral do tipo de abordagem menos personalista e mais contextual, com certeza. Às vezes o ritmo é comprometido por repetições nem sempre produtivas, mas o saldo é positivo por conta da capacidade que o filme tem de armar um circo, encarar suas ambivalências e ainda se posicionar.
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