Sinopse
Sofia chega à estação da Vila Clemência para esperar o próximo trem. No entanto, não demora para ele perceber que talvez esteja condenada ao isolamento naquele lugar ermo na companhia de vários desconhecidos.
Crítica
O rigor da fotografia em preto e branco assinada por Luciana Basseggio e a duração longuíssima dos planos de A Estação remetem automaticamente ao cinema do húngaro Bela Tárr. No entanto, o longa-metragem mineiro dirigido por Cristina Maure não sustenta a atmosfera de enigma existencial por muito tempo, a isso deixando clara (involuntariamente?) a natureza dos fatos. A protagonista é Sofia (Jimena Castiglioni), mulher cuja caminhada demorada sobre os trilhos ferroviários, ao encontro da câmera, inaugura o filme. Ela chega a uma estação de trem aparentemente abandonada, mas que contém um funcionário da companhia ferroviária pronto a dar informações e a realizar os trâmites necessários para hospedar a forasteira – uma vez que não há previsão da passagem de um novo trem por ali. Desde os primeiros momentos fica muito evidente (até demais) que estamos diante de uma metáfora sobre a morte. E essa antecipação de algo que poderia ser mais bem camuflado ao longo da trama se dá pelo modo como vários símbolos um tanto óbvios são utilizados de cara. Nem precisa ser necessariamente um exímio entendedor para compreender as metáforas que Cristina gasta logo na largada, como os diálogos que falam de “fim da linha”, as imagens que equivalem os trilhos do trem ao fluxo da vida e, por conseguinte, a estação como um ponto de encontro (final?) dessas almas sofredoras e perdidas.
Assim sendo, A Estação abdica do mistério em prol de uma coleção de indiretas pouco sutis, numa operação paradoxal. Por um lado, a realizadora tenta extrair da inquietação da protagonista a matéria-prima dramática: Sofia busca compreender o lugar e as pessoas também encalhadas, portanto o mistério é vital. Por outro, lança mão de imagens e falas que entregam a verdade sobre a situação ao espectador, mas sem investir na disparidade entre o que sabemos e a ignorância da protagonista. Sofia é uma personagem nova naquela circunstância, por isso muitas vezes sua condição serve como muleta aos diálogos expositivos e a outros expedientes que inviabilizam a manutenção do enigma. Logo se mata a charada. Não existe tensão entre essa figura que acabou de chegar e os demais ilhados na estação de trem. Por ali há também a mulher apaixonada por gatos, tida como alquimista capaz de criar remédios com as plantas; um militar dado a polir sua arma como se acarinhasse; um casal que experimenta severas crises internas; um menino que está em cena somente como representante da inocência; a viúva positiva que encontrou amor em outros braços; o encarregado do lugar, sujeito que às vezes parece saber de tudo, noutras aparentando estar tão perdido quanto os demais. O cenário, tanto humano quanto simbólico, poderia render diversas reflexões sobre vida e morte, mas acaba sendo desperdiçado.
Por mais que o filme nunca anuncie e/ou confirme que Sofia está numa espécie de limbo após morrer, essa especulação nem pode ser tachada necessariamente de perspicaz, sobretudo porque Cristina pesa a mão nas conexões entre o que está acontecendo e essa hipótese que vira tese. Mesmo que a morte seja discutida internamente, na fala da viúva sobre a partida do marido ou ainda quando uma das pessoas tenta o suicídio por não mais suportar a espera, ela é escancarada pelas metáforas que barateiam a natureza alegórica do filme em virtude de sua obviedade. Aparentemente, esse rigor estético todo, que poderia render uma experiência dura e reflexiva, nada mais é do que uma moldura supostamente sofisticada para tratar de um assunto desenvolvido num limiar incômodo entre o dizer, o sugerir e o querer dizer. A montagem assinada por Guillermo Casanova não imprime dinamismo à história – não confundir dinamismo com pressa –, assim permitindo que se instaure um clima de morosidade e dispersão desfavoráveis ao aspecto meditativo. Os planos longos não funcionam como oportunidades para contemplar jornadas sintomáticas. Por exemplo, as andanças demoradas de Sofia na contramão do seu destino na malha ferroviária não servem para conferir mais pesar a uma tarefa fadada ao fracasso. A dilatação do tempo surge bem mais como um fetiche gramático, um gesto meio vazio.
Parte da Mostra Foco Minas da 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes, A Estação diz rapidamente a que veio, mesmo que pareça apostar na força dramática do mistério e da dúvida. Em busca de uma imagem simples para representar isso, basta imaginar aqueles esquetes humorísticos em que um personagem acredita estar invisível atrás de um poste que cobre apenas parte de seu corpanzil. Ele (o sentido) está completamente exposto, mesmo crendo estar absolutamente incógnito. Voltando às relações de Sofia com os demais personagens, elas servem como simples trivialidades que nem se consolidam como aprendizados antes da “próxima fase”. O militar é desimportante, assim como a alquimista cheia de pílulas de sabedoria pomposas. A criança transita pela tela pura e simplesmente como um símbolo superficial de inocência e até mesmo a tentativa de suicídio da mulher que não suporta mais a espera angustiante tem pouca (quase nenhuma, na verdade) importância para o todo. Cristina Maure tenta gerar uma membrana opaca, um véu que revele parcialmente a verdade ao espectador. No entanto, a realizadora erra a mão em várias etapas da fatura, com isso criando um filme inconsciente sobre a própria transparência. Não fosse isso, depõe contra o resultado a ausência de algo que amarre o grupo, sobretudo as especificidades das pessoas que circundam Sofia até o entendimento sobre o fim.
Filme visto na 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2024.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 3 |
Rodrigo de Oliveira | 4 |
MÉDIA | 3.5 |
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